Guilherme Olhier/Divulgação Projeto ‘Cidade Livre’

A guerra entre pixo, grafite e a Prefeitura de São Paulo tem se transformado em um verdadeiro debate sobre o direito do paulistano à cidade e o conceito de arte urbana em si.

Tudo começou quando o prefeito João Doria (PSDB) optou por apagar uma série de obras de grafiteiros que estavam expostas nos muros da Avenida 23 de Maio, sendo aquele, até então, o maior mural de grafite da América Latina. A produção aconteceu durante a gestão anterior de Fernando Haddad (PT).

Em cima dessa discussão, alguns projetos surgiram em busca de exaltar a diversidade cultural que faz de São Paulo o que ela é – ou deveria ser. Dentro desse grupo, está o Cidade Livre.

Tocada pelo fotojornalista Guilherme Olhier, a ideia começou através das redes sociais, onde ele convocou alguns casais diversos para posarem em frente de obras marcantes para eles em toda a cidade. São grafites no Minhocão, Praça Roosevelt, Vila Madalena e até na própria 23 de Maio, onde ainda sobram algumas obras expostas.

Guilherme Olhier/Divulgação Projeto une casais diversos aos grafites paulistanos

“Escolhi a fotografia porque acredito que é a melhor forma de representar e retratar esse período de agitação cultural em torno do grafite, da arte de rua. Na fotografia eu consigo fazer com que as pessoas se expressem de uma maneira singular e interajam com os grafites. Essa é a ideia central. Interagir com a arte que elas tanto gostam. Pode ser que daqui um tempo o grafite saia das ruas, mas as fotos vão continuar eternas para justamente mostrar que houve um tempo em que as pessoas se importavam com mais cor, arte e amor livre em São Paulo”, disse ele.

A diversidade dos personagens escolhidos foi o que fez o Cidade Livre chamar a atenção da mídia. Mas engana-se quem pensa que só casais estão convocados. “Podem ser dois, três, quatro, amigos, irmãos, filhos, não importa. A ideia é que todo mundo participe e que expresse o seu amor junto das pessoas que gosta. Quem quer lutar por uma cidade mais colorida e inclusiva pode vir somar. Para participar é só entrar em contato na página do projeto e se já tiver uma data e local/grafite que goste ajuda bastante. A agenda está cheia!”, comemorou.

Guilherme Olhier/Divulgação Projeto ‘Cidade Livre’

“O grafite nasceu nas ruas e é uma forma de arte transgressora”
Grafitar muros é um prática ainda recente em São Paulo, isso se levarmos em consideração a história da arte contemporânea como um todo. O grafite ganhou força na capital paulista nos anos 1980, quando era tão criminalizado quanto o pixo é hoje. “Ele pode ter entrado nos museus ultimamente, mas seu DNA não é elitizado como outros tipos de arte. É arte para todos. Sendo assim, teoricamente qualquer um pode fazer sua arte onde quiser, esse sempre foi o lance do grafite e pra mim ainda está um pouco difícil entender as decisões da prefeitura, pois conforme os anos foram passando o grafite tomou cada vez mais espaço e vinha sendo cada vez mais aceito”, acredita Guilherme.

Ainda assim, o fotojornalista crê que o problema tem solução. “A melhor atitude a ser tomada deveria ser chamar os grafiteiros, pedir desculpas e bancar novas artes. Porém, acho que já se criou uma inimizade desnecessária com os artistas, já que suas obras foram apagadas sem mais nem menos”, disse ele.

Guilherme Olhier/Divulgação Projeto ‘Cidade Livre’

 

“Tudo bem que o grafite não é feito para durar para sempre, mas no caso da Av. 23 de Maio foi diferente, já que era o maior mural de grafite da América Latina, o que deveria ser motivo de orgulho pra cidade. Não sei se os grafiteiros se sentirão à vontade para pintar nos espaços ‘chapa branca’ designados pela Prefeitura. Correm o risco de se tornarem ‘traidores’. Pode ser que não, mas de qualquer maneira é um retrabalho pintar aquilo que já estava pronto. Por que não chamou os grafiteiros para arrumar suas próprias pinturas invés de apagá-los? O grafite está sempre em movimento e essa renovação acontece naturalmente, sem precisar que alguém vá lá e diga ‘troque que está feio'”, completou.

Criminalização da pichação é “guerra desnecessária”
Mais velho que o grafite, o pixo se transformou com o passar dos anos, sem perder seu cunho político. Ainda assim, sua estética pouco agradável e o fato de ir contra alguns padrões sociais fez com que a manifestação fosse relacionada ao vandalismo, o que, para Guilherme, é um engano. “O pixo é algo quase que exclusivo do Brasil. Começou na década de 60 com pichações políticas, contra a Ditadura, e assim permanece. Tem muita política na pichação. Acho que esse rancor que todos têm contra a pichação é justamente por não entender e normalmente aquilo que não é entendido tende a ser execrado. A pichação vai além da estética. Não é bonitinho, não é colorido, não agrada aos olhos e nem pretende agradar. Vem pra incomodar, pra pensar. É a voz de uma parcela da sociedade marginalizada que dá o seu recado nos muros e nos prédios. Essa ‘guerra’ é desnecessária. Há coisas mais importantes para se debater na cidade. A frase ‘eu pixo, você pinta. Vamos ver quem tem mais tinta’, nunca fez tanto sentido”, finalizou.

Guilherme Olhier/Divulgação Projeto ‘Cidade Livre’

Grafite x 'Cidade Linda'

Grafites da 23 de Maio, em São Paulo, antes de serem apagados
Créditos: Gabriel Quintão

 


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"Arte transgressora": projeto mostra diversidade do grafite exaltando amor livre

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