Difícil não simpatizar com Cher. Atriz, cantora, celebridade, ícone gay, extravagante, excêntrica, bizarra… diversos lados de sua carreira e de sua personalidade podem ser avaliados, mas indiscutivelmente ela é um dos pilares do que veio a se chamar cultura pop nos últimos 50 anos.

Nesta terça (20), Cher completa mais uma primavera – são 68 anos de muitas turbulências pessoais e profissionais. E como presente de aniversário, a estrela ganha livro sobre um período justamente bem turbulento: a metade da década de 70, quando apresentou o programa de TV Cher, nas noites de domingo na rede americana CBS, entre os meses de fevereiro de 1975 e janeiro de 1976.

Durante esse curto período, Cher encerrou seu relacionamento de dois anos com o magnata da mídia David Geffen; finalizou seu divórcio com o ex-marido Sonny Bono; respondeu a uma ação judicial movida por Sonny, em que disputava a guarda da então filha, Chastity (hoje o filho Chaz); casou-se, entrou com pedido de divórcio nove dias depois e reconciliou-se com a estrela de rock Gregg Allman; respondeu a uma ação judicial de seu pai; e ainda negociou uma volta amigável à TV com Sonny, enquanto estava grávida de Gregg Allman, entre outros episódios.

Cher: Strong Enough, o livro escrito por Josiah Howard, debruça-se exatamente sobre esta fase, analisando os efeitos de tais fatos sobre a carreira e imagem pessoal de Cher. A obra sai no Brasil pela editora nVersos. Na entrevista exclusiva a seguir, o autor e biógrafo detalha como essa etapa acabou definitivamente transformando Cher em uma estrela.

Você escreveu um livro sobre Donna Summer, cujo auge foi na década de 1970, e outro sobre o cinema blaxploitation, que também é muito forte nos anos 70. Agora surge o livro sobre o programa que Cher comandou no auge dos 70. Por quê o fascínio por essa década? Você acredita que foi a melhor década?

É curioso você perguntar isso. Há um ano eu passei duas semanas em São Paulo e no Rio, eu viajo muito falando sobre a representação das minorias no cinema, e no Brasil sempre me perguntam “por quê você é tão fascinado pelos anos 70?” E eu apenas digo “porque foi uma década fantástica!” Eu admito, sou obcecado pelos 70. Embora tudo pareça melhor quando você observa com distanciamento, eu continuo a acreditar que os 70 foram extraordinários. Os filmes, a moda, a TV, a música, arte – tudo era tão colorido e acontecendo ao mesmo tempo. As portas estavam abertas, as oportunidades eram aproveitadas.

Foi por isso que você optou por focalizar esse período específico da carreira de Cher, isto é, os meses durante os quais ela apresentou o programa na CBS?

Eu sempre amei Cher mas não achava que fosse escrever um livro sobre ela porque primeiro: já haviam outros livros sobre ela; segundo: ninguém compraria, porque todos achariam que já saberiam tudo sobre ela. Estão errados! Quem ler Cher: Strong Enough vai ter novas informações. O livro está cheio de casos, pessoas e fatos que ainda não foram registrados. Fiz mais de duzentas entrevistas, e muitas com pessoas que nunca falaram com a imprensa. Então eu escolhi focar na Cher dos anos 70 porque achei que esse era um retrato novo sobre um ícone americano.

É assustador observar todas as peripécias que Cher enfrentou durante esse curto período. Parece incrível que uma figura pública tenha vivido tantas turbulências em tão pouco tempo e ainda por cima apresentando um programa de TV. Como Cher conseguiu isso?

Foi ideia da editora dar o subtítulo de Strong Enough (forte o suficiente) e acho que foi uma decisão acertada exatamente por essa razão. Você precisa ser forte, inteligente e determinado para enfrentar tempos difíceis e os desafios que surgiram no ano de 75 – quando ela apresentou o programa. Não era só a vida pessoal de Cher que estava turbulenta. Havia o caos dos bastidores da TV, a censura, anunciantes milionários, personalidades difíceis do show business, tudo isso botou ainda mais combustível naquilo que já estava pegando fogo.

Quais foram as principais “revoluções” que Cher implantou durante a temporada no programa?

Os figurinos ousados e atrevidos criados por Bob Mackie e usados por Cher; o fato do programa trazer números com roqueiros como David Bowie e Elton John, e é claro, com seu marido na época, Gregg Allman. Isso era inédito na televisão americana da época, especialmente nas noites de domingo!

Para você, qual a importância de Cher para a cultura pop mundial?

Cher representa os sonhos e fantasias que muitas pessoas possuem mas que não realizam em suas vidas. Ela é auto-suficiente, glamourosa, original e vive a vida segundo seus próprios termos. É uma vida – ou uma visão de vida – que todo mundo deseja.

Cher tornou-se um poderoso ícone para a comunidade LGBT. Por que razões você acredita que isso ocorreu?

Os gays sempre estiveram entre os maiores fãs de Cher, mas a adoração deles por ela – tirando os bares gays, onde ela sempre foi uma das mais imitadas em performances – só ficou mais clara depois do hit internacional Believe, de 1998, que foi um grande sucesso de massas. Essa nunca foi uma de minhas canções favoritas de Cher, na verdade acho que é um pouco fraca e não utiliza seus poderosos vocais, mas quem sou eu? A faixa foi pro topo das paradas em mais de trinta países e vendeu mais de doze milhões de cópias. É, sem dúvida, a maior canção e o maior álbum de sua carreira – e Cher tinha 52 anos quando lançou!

Observando a trajetória de Cher nos 60 e 70, ninguém poderia prever que nos 80 ela seria uma atriz respeitada, ganhando até o Oscar. Como você analisa isso? O fato dela ganhar o Oscar foi mesmo algo surpreendente e impactante? Por quê sua carreira de atriz não manteve o mesmo nível nos anos seguintes?

O Oscar de Cher é um pouco superestimado, eu acho. A ideia de que ela não era talentosa ou não “atuava” nos 25 anos que antecederam esse Oscar é absurda. Ela atuava quando fazia dupla com Sonny Bono; atuava nos dois filmes que fez nos anos 60 e dos quais ninguém se lembra; atuava nos esquetes de drama e comédia que fez no programa The Sonny & Cher Comedy Hour, e posteriormente no programa Cher. O Oscar foi apenas, como ela falou no discurso de agradecimento, um reconhecimento de seus colegas, das pessoas da indústria de Hollywood. Para o resto do mundo e para seus fãs, ela não precisava de Oscar para confirmar sua contribuição ao mundo do entretenimento. Sobre ela não ter mantido essa posição no mundo do cinema: ela não estava interessada. Tinha outras coisas para fazer: escrever canções, cantar, lançar discos e fazer shows pelo mundo.

Você acha que Cher deixa herdeiros ou herdeiras? Existem artistas jovens atuais que você considera à altura do talento e poder de Cher?

Não haverá outra Cher e não deveria haver. Os que se sentem inspirados por ela devem observá-la, estudar seus sucessos e seus equívocos, aprender, e criar seu próprio caminho.

Qual sua canção preferida e seu filme preferido da carreira de Cher?

Gypsys, Tramps e Thieves (Ciganos, Vagabundos e Ladrões). É uma canção sobre marginais, sobre crianças não legítimas. Perfeição pop! Meu filme favorito de Cher: Feitiço da Lua, onde ela consegue o impensável: faz você esquecer que está assistindo Cher. Considerando de quem nós estamos falando, é um feito inesperado e impactante!


int(1)

Diva imortal faz aniversário e ganha livro sobre seu programa de TV nos 70; confira entrevista exclusiva com o autor