O ex-Secretário do Audiovisual Newton Cannito não perdoa ninguém em seu novo livro, Manual do Bullying e Outras Sátiras de Humor Pós-Ativista, que lança neste sábado (6) na Flip, a Feira Literária Internacional de Paraty (Casa do Roteirista, 12h).

Herdeiros, comunistas, gays, mulheres, aristocratas: ninguém passa ileso na obra, uma crítica ao humor politicamente correto e defesa da “universalização do bullying”. “Bullyina, mas não mata”, dispara em trecho da entrevista – fazendo referência a atentados cometidos por estudantes em escolas nos Estados Unidos e também à afirmação proferida pelo ex-Prefeito de São Paulo Paulo Maluf em 1989. 

Secretário do Audiovisual entre 2010 e 2012, durante o governo Lula, e roteirista de séries como Cidade dos Homens e 9mm: São Paulo, Newton falou ao Virgula sobre bullying, humor e preconceito.

Vírgula: O bullying surgiu como uma pauta pedagógica, do meio da educação. Você acredita que, hoje, virou um sinônimo de patrulha?

Newton Cannito: Sim, exato. A paranoia anti-bullying acabou gerando um consenso politicamente correto de que é antiético zombar de alguém. É uma confusão entre ética e etiqueta, como se ser ético fosse sinônimo de ser educadinho. Isso gerou uma obsessão por ser bem educado, falam até de “humor a favor”. Isso não existe. Humor tem que correr o risco de provocar as pessoas em busca da verdade. Não podemos deixar de dizer algo por ter medo de magoar alguém. Temos que aprender a lidar melhor com o bullying. Mesmo nas escolas. Meu livro é favorável à universalização do bullying. Basta ver o seguinte: o rapaz assassino que entrou na escola e matou vários. Todos dizem que ele fez isso porque foi bullyinado. Mas bullyinadas todas as crianças foram. Quem mata não é quem sofreu bullying. É quem não praticou. Quem não pratica guarda ódio e fica violento. Temos que ensinar todos a praticar o bullying. O Bullying é a vacina antiviolência. Parodiando o Maluf, “bullyina, mas não mata”.

Vírgula: Você aborda diversos temas polêmicos no livro. Pode falar um pouco sobre eles?

Newton Cannito: livro tem dezenas de contos, crônicas, textos curtos etc… Fala de muitos famosos, mas tive que mudar um pouco o nome, pois a advogada disse que pode dar processo. Mas esse não é o foco. O foco é que o livro é um livro ativista. Um livro de humor linkado à pauta social. Faz anos que o humor brasileiro se despolitizou. Ficou apenas sobre temas cotidianos, sem entender o contexto. Meu livro é humor social, recupera a tradição dos grandes satiristas e do humor social dos anos 1970, como Vianinha e Dias Gomes. Aí toco em tudo: origens da corrupção, permanência da cultura escravocrata, classismo, racismo, etc… Tem crítica a banqueiros, às ONGs, às mulheres ricas, aos cineastas, à polícia, aos médicos golpistas etc. Tem um pouco de tudo. Tem também textos engraçados sobre a polêmica da cura gay, do racismo, da pena de morte e tudo mais que se debate no momento.

Vírgula: Acha que o humor e bullying são relacionados? Há como fazer humor sendo politicamente correto?

Newton Cannito: Sou a favor do politicamente correto. Adoro ser correto. Às vezes falo coisas que as pessoas consideram politicamente incorretas. Mas é porque eu acho que são corretas. Para isso serve o humor e esse debate: para definirmos o que é correto e o que é incorreto juntos, enquanto sociedade. Mas não há como fazer humor se você tentar seguir o consenso obvio-social sobre o que é politicamente correto no momento. Você não pode fazer arte seguindo o consenso social. O artista é individuo, ele tem uma visão única e tem de ter a coragem de expressá-la. O humor, como toda arte, existe para transgredir limites. Se ficar no limite não é arte. Tem que arriscar ir além. E sim. O humor e o bullying são relacionandos. O bom humor é sempre bullying. E o bom bullying tem humor. Mas nem todo bullying tem humor. E o bullying sem humor é um perigo. O bullying sem humor pode até ser violento. É o humor que salva o bullying. O verdadeiro bullying é uma arte. Uma arte relacional, em contato com o outro, tal como o sexo. O sexo pode ser uma arte. Mas pode ser também estupro. Com o bullying se dá o mesmo. O bullying sem humor é violento. Mas não vamos deixar de praticar sexo apenas porque existe estupro. E não devemos deixar de praticar o bullying apenas porque tem pessoas que o praticam de forma violenta. Vamos defender o bullying com humor, que é a salvação lúdica de nossa milenar prática bullyinal.

Vírgula: No documentário “O Riso dos Outros”, o produtor de stand-up Gabriel Grosvald afirma que não faz sentido usar o humor para atacar grupos sociais já marginalizados, como gays, mulheres e negros. Você concorda?

Newton Cannito: Concordo desde que incluam também na lista de grupos marginalizados os heterossexuais barrigudos. Somos uma maioria discriminada. Só quem vive sabe. Podemos ampliar isso. Cada um fala o que acha e aí não poderemos falar mais de nada. O que acham? Ou seja, isso é bobagem. Já ouvi piadas ótimas sobre mulheres, negros e gays. E no fundo o negro não é só negro. E se ele for negro e corrupto? Aí posso zombar dele por ser corrupto, mas tenho que fingir que ele é branco? E pessoalmente eu gosto também de zombar de quem tem preconceito com negros, mulheres e gays. Também é um tema engraçado. No fundo não é o tema que define a qualidade. Pessoalmente eu gosto mais de humor que consegue ampliar um pouco o ponto de vista. Ou seja, sai da coisa pontual e chega a questões mais gerais, sociais, históricas e tal. No meu livro tem vários contos desse tipo. Momentos no quais se ri do racista e entendemos porque ele é racista historicamente. Sempre digo que nós combatemos o racismo, não o racista. Não combato seres humanos, amo a todos eles, inclusive os racistas. Não é diversidade? O que é que tem ter um racista no grupo? Não podemos ser racistas com os racistas afinal. Temos que usar o humor para transmutar todos os preconceitos, inclusive o preconceito com preconceituosos.

Manual do Bullying e Outras Sátiras de Humor Pós-Ativista 

Editora nVersos – 208 páginas

Pré-lançamento

6 de julho – 12h

Casa do Autor Roteirista – Rua da Lapa, 8 (antiga Rua Maria Jácome de Mello) – Centro – Paraty


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Ex-Secretário do Audiovisual lança livro de sátiras e defende bullying: 'quem não pratica mata'