Reprodução O atleta campeão Bruce Jenner assumiu gênero feminino e estrelou até capa de revista

A divulgação das diretrizes para a participação de atletas transgêneros nas Olimpíadas de 2016, que acontece no Rio de Janeiro, chega para tentar resolver e evitar os vários dilemas de casos que assombram a história do esporte há décadas. Campeãs com “nível masculino” de testosterona, atletas que foram bombardeadas pela mídia por serem boas demais para o “padrão feminino”, hermafroditas banidos de disputas e homens que tiveram que esconder a orientação sexual para participar de competições. Muitos desistiram da carreira, perderam prêmios e até sofreram preconceito.

Um caso polêmico é o do medalhista dos anos 1970 Bruce Jenner, hoje chamado de Caitlyn. Bruce ficou conhecido no mundo inteiro ao levar ouro e bater recorde nas Olimpíadas de 1976, em Montreal, representando os Estados Unidos. O campeão de atletismo assumiu o nome de Caitlyn no último ano e disse que jamais se sentiu pertencente ao gênero masculino. Em entrevista ao canal ABC News, ele afirmou que seguirá a vida como mulher. Caitlyn já passou por várias cirurgias plásticas e foi capa da revista feminina Vanity Fair, onde aparece de cabelos longos e maquiada; imagem completamente diferente da figura máscula exibida nos pódios pelo mundo 40 anos antes.

Na época em que Bruce estava no esporte, diretrizes de campeonatos não permitiam atletas transgêneros – aceitos nas Olimpíadas a partir de 2004. Além disso, uma vigilância rígida – baseada em testes e exames – passou a operar em 1968. Não à toa. Os escândalos relacionados ao sexo de atletas em competições mundiais começaram ainda na década de 1930. A recordista da República Checa Zdenka Koubkova, por exemplo, teve que encerrar a carreira mais cedo, após sua condição de hermafroditismo levantar questionamentos sobre o alto desempenho frente a outras atletas mulheres. Zdenka teve sua vida exposta em uma época conservadora, assumiu a identidade masculina e passou a viver como Zdenek.

A britânica Mary Louise Weston, que ganhou diversos campeonatos mundiais nos anos 1920, assumiu o sexo masculino em 1936 e mudou seu nome para Mark. A polonesa Stella Walsh fez história nas Olimpíadas e campeonatos de atletismo na mesma época, e quando morreu, em 1980, a imprensa noticiou que a campeã seria hermafrodita. A medalhista Ewa Kłobukowska, da Polônia, teve todos os recordes batidos invalidados após um teste diagnosticar que ela possuía número de cromossomos masculinos acima da média para mulheres. Em 1967, ela foi proibida de participar das Olimpíadas e de atuar como profissional de atletismo.

Foram precisos mais de 30 anos até que o COI liberasse a participação de atletas transgêneros nas disputas mundiais, com algumas ressalvas, é claro: o atleta deveria fazer cirurgia de mudança de sexo, passar por dois anos de hormonoterapia e ter a modificação reconhecida legalmente.

As regras mais bem definidas, porém, não impediram escândalos como o da corredora sul-africana Caster Semenya que teve sua sexualidade questionada após levar ouro no Mundial de Atletismo de Berlim, em 2009. A Associação das Federações Internacionais de Atletismo (IAAF), órgão que gere a modalidade a nível mundial, confirmou que Semenya seria pseudo-hermafrodita, não possuía ovários e teria testículos internos.

Stepout2play / Reprodução A corredora indiana foi afastada do esporte pela IAAF por produzir mais hormônio masculino que o aceitável. Ela foi aos tribunais e ganhou a causa

O caso mais recente é o da corredora indiana Dutee Chand, proibida de correr nos Jogos Olímpicos de 2016 pela IAAF com a justificativa de que seu corpo produz mais hormônios masculinos, em particular o testosterona, do que o aceitado pela organização. Ela fez o exame em 2014 e foi banida do mundo do esporte. Dutee levou o caso aos tribunais e ganhou em julho de 2015: a Corte Arbitral do Esporte suspendeu a decisão da IAAFpor falta de prova que o hiperandrogenismo de Dutee melhore o desempenho da atleta nas pistas.

O que muda em 2016?

Para os Jogos Olímpicos que acontecem em agosto, o critério de avaliação dos gêneros dos atletas será baseado na quantidade de hormônios. No caso de mudança do gênero masculino para o feminino, a atleta terá que manter o nível de testosterona abaixo de 10nmol/L por 12 meses que precedem a primeira prova e durante os jogos, além de ter a identidade de gênero reconhecida legalmente. Não há determinações em casos inversos. O COI informou também que a decisão não deve prejudicar, “de forma alguma a obrigação de cumprir o Código Mundial Anti-Doping e os Padrões Internacionais da WADA”.

O documento divulgado pelo COI coloca como inconsistente a exigência de cirurgia de mudança de sexo com o avanço das leis da diversidade e direitos humanos. Para a fisicista do Centro Médico de Portland, Joanna Harper, as novas diretrizes preenchem as lacunas das regras antigas. Com a decisão e alcance do evento mundial de 2016, o diretor médico do Comitê, Richard Budgett, espera inspirar outras organizações a aderirem novas normas de inclusão dos transgêneros no esporte.


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