Um porão que virou teatro, que virou casa de shows, que virou “o” ponto de encontro de São Paulo, abrigando artistas e bandas identificados com a chamada Vanguarda Paulista. Esse era o Lira Paulistana.

O espaço durou de 1979 a 1986 e foi referência para toda uma geração. Instalado na Rua Teodoro Sampaio, em frente à Praça Benedito Calixto, foi palco para gente como Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Língua de Trapo, Premeditando o Breque, Cyda Moreira, Titãs, Ultraje a Rigor e Itamar Assumpção, para ficar só nos nomes mais famosos.

Essa história virou livro: Lira Paulistana, um Delírio de Porão, de Riba de Castro, lançado no final de 2014. E já tinha rendido um documentário: Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista, lançado nos cinemas em 2013, com direção do próprio Riba.

Credenciais para imortalizar a saga do Lira não faltam a Riba: ele foi sócio do teatro, e um de seus principais articuladores, ao lado de Wilson Souto Jr., Plínio Chaves, Chico Pardal e Fernando Alexandre.

O livro é uma pérola histórica, que registra aquele delicioso e efervescente momento que marcou a cultura pop e underground paulistana. Na entrevista exclusiva a seguir, Riba conta um pouco sobre essa saga.

Como, quando e por que surgiu a ideia de realizar o livro?
O embrião do projeto de resgatar a memória do Lira começou depois da morte de Itamar Assumpção, um dos artistas mais importantes que começou sua carreira no palco do Lira, onde gravou o seu primeiro disco, Beleléu, com a banda Isca de Polícia, pela gravadora do Lira Paulistana. Eu achava que essa história teria um valor maior, se fosse contada enquanto as pessoas que participaram dela estivessem presentes, de maneira que pudesse contar com a colaboração delas para esse resgate.

Lira Paulistana

Quanto tempo você levou para organizar o projeto, coletar os depoimentos, escrever, etc?
Foi um processo longo. Comecei abrindo o baú da minha memória, pois toda essa história faz parte da minha vida. Fui um dos criadores do Lira e participei de uma maneira ou outra, de todas as coisas que lá ocorreram. Conferi e somei dados sobre a história do Lira com seus protagonistas, incluindo meus companheiros, ex-sócios do Lira – Fernando Alexandre Guimarães, Chico Pardal e Wilson Souto –, que também tiveram depoimentos publicados no livro. Já para o material iconográfico do livro, eu tinha um grande acervo gráfico do Lira, pois além de ser responsável pela comunicação visual, tenho o hábito de guardar as coisas. Mania de virginiano!

O livro foi feito juntamente com o filme?
Não foram feitos juntos, mas estão interligados. Foi pensando no livro que percebi a importância da história que tinha para contar. Decidi fazer um documentário e o projeto do livro ficou parado. O documentário abriu o Festival In-Edit de 2012 e foi lançado no circuito comercial em novembro de 2013. Eu tinha feito algumas tentativas de conseguir recursos para editar o livro, sem sucesso, até que em 2013 o projeto foi selecionado pela Natura Musical. Sem dúvida, os depoimentos dos protagonistas da história que gravei para o documentário serviram para enriquecer o livro. Em contrapartida o lançamento do livro serviu para dar novo folego ao documentário.

Qual foi o principal legado do Lira para a cultura brasileira?
O Lira deixou importantes legados para diferentes áreas de cultura. Na música, os artistas que por lá passaram: Itamar, Gigante Brasil, Arrigo, Tetê, os grupos Premê, Rumo, Língua de Trapo, Pau Brasil e muitos outros que ainda hoje continuam fazendo música. Lira foi palco do que acabou sendo conhecido como a Vanguarda Paulista, e também do movimento rock paulista dos anos 1980, com Titãs, Ultraje, Ratos de Porão, Cólera, Inocentes.
O Paulo Tatit, no depoimento que deu para o documentário do Lira, por exemplo, conta que algumas vezes o trabalho do Palavra Cantada é apresentado como filho da Vanguarda Paulista, e que ele se orgulha quando escuta essa referência. No jornalismo, o Jornal do Lira também foi pioneiro em criar um roteiro completo da vida cultural de São Paulo. Outro grande legado foi a maneira independente de produzir, à margem da indústria e das instituições culturais.

Lira Paulistana (1979-1986)

Show especial produzido pelo Lira Paulistana na Praça Benedito Calixto
Show especial produzido pelo Lira Paulistana na Praça Benedito Calixto
Créditos: Divulgação

Por que o Lira acabou? Você acredita que ele já tinha cumprido sua missão?
O Lira acabou por vários motivos. O primeiro é que um dia tudo acaba. Entendo esse desejo que temos de querer eternizar as coisas que achamos boas, porém nada é para sempre. O Lira era a soma de cinco cabeças: Fernando Alexandre, Chico Pardal, Plínio Chaves, Wilson Souto e eu. Depois de seis anos juntos com um projeto em comum, começaram as divergências e a necessidade individual de alguns de seguir novos caminhos. Outro fato importante foi que no momento em que os artistas que se apresentavam no Lira começaram a ser mais conhecidos, seu público já não cabia no nosso pequeno teatro e eles começaram a apresentar-se em novos espaços que surgiram em São Paulo, como Sesc Pompeia, Centro Cultural São Paulo e Sala Guiomar Novaes da Funarte. As bandas de rock que ocuparam o Lira no seu período final foram captadas pelas gravadoras e também deixaram de apresentar-se lá. Mas o que realmente importa é que o Lira Paulistana cumpriu seu papel no tempo em que existiu. Fez história e até deixou herdeiros da Vanguarda Paulistana.

O que acha da cena musical paulista de hoje?
Como quase sempre, variada e de qualidade. Uma parte dela é formada pelo que costumo chamar de “Os Filhos do Lira”, pelo fato de seus pais terem tocado lá. Anelis Assumpção, filha do Itamar, Luz Marina e Yara Renô, filhas da Alzira. Dany Black, filho da Tetê Espindola, Danilo Moraes, filho do Wandy Doratiotto, Tulipa Ruiz, filha do Luiz Chagas da banda Isca de Polícia, Mariana Aydar, filha do Mario Manga, do Premê, além das bandas Chá de Boldo e Filarmônica de Passárgada. Enfim, existe uma infinidade de novos bons artistas na cena paulistana hoje.

O Lira deixou herdeiros? Existe algo que ocupe o espaço deixado pelo Lira?
Hoje existe uma oferta muito maior de pequenos espaços. A Praça Roosevelt é um vivo exemplo. Naquela época só existia o Lira. Talvez o que não exista nesses lugares é o espirito aglutinador e as várias tendências que existiam no Lira. O Lira foi um momento, um pensamento, o espírito dos anos 1980.

Alguém já se interessou em fazer um filme de ficção, romanceando a saga do Lira?
Por enquanto não, mas é uma ideia. Seria um belo cenário, com gente jovem e bonita. Poderia ser uma bela história, de toda uma geração dos anos 1980, que viveu um momento importante na política e na música brasileira.

#Fica a Dica!


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"Um dia tudo acaba", diz ex-sócio e autor de livro sobre o antológico Lira Paulistana