Conhecidos por obras de recuperação do espaço público em lugares emblemáticos como os viadutos do Chá e Minhocão, em São Paulo, ou o parque madrilenho Campo de la Cebada, o coletivo de arquitetos espanhol Basurama recorre aos resíduos para “perverter a paisagem” e contribuir para “a conquista de uma democracia real”.

Os arquitetos atuaram em mais de 18 países, onde realizaram intervenções como a criação de um parque infantil com pneus em Lima, no Peru, ou uma mesa de música eletrônica itinerante em Miami (EUA) nascida de resíduos eletrônicos

“Em São Paulo, montamos balanços no viaduto do Chá, e crianças e adultos fizeram fila para subir”, lembrou Miguel Rodríguez, um dos fundadores do Basurama, formado em sua maioria por arquitetos espanhóis que sentiram “a necessidade de buscar espaços livres e criativos que a universidade não oferecia”.

Em 1997, 11 estudantes de arquitetura da Universidade Politécnica de Madri embarcaram nesta aventura “de lixo” que, conforme contou Rodríguez à Efe, lhes dá de comer e a opção de criar projetos “participativos” que buscam provocar “uma mudança de percepção” das cidades.

“A conquista de uma democracia saneada é a conquista do espaço público saneado, porque espaço público e cidadania estão absolutamente relacionados”, refletiu o arquiteto, que em São Paulo dirige o Basurama Brasil com a colaboração de Ángela León.

Nesta linha, ambos afirmaram que a maior cidade do país está vivendo “uma catarse total com o uso dos espaços públicos” e que, sendo “uma típica grande cidade americana”, sofre “insegurança precisamente pela falta de uso destes lugares”.

“De repente, São Paulo começa a reconhecer que tem espaços públicos, e surgem movimentos de classe média urbana que começam a lhe dar uso”, explicou Miguel, acrescentando que o fato de “que uma cidade tenha uma doença e se auto diagnostique é radical”.

Para o Basurama, cujas ações estão centradas na reutilização de resíduos como uma busca de eficiência de recursos, o lixo “fala totalmente do cidadão”, já que é “um elemento que define as cidades e os países tanto como a gastronomia ou o artesanato”.

“Nos surge a faísca do lixo quando nos damos conta de que há muita gente sensível aos resíduos, em geral as pessoas que trabalham com lixo e as pessoas mais pobres, porque é sua fonte econômica e sua forma de trabalho”, continuou.

No entanto, apenas em 2011 o Basurama obteve relevância internacional, quando vários deles tiveram “a oportunidade ou a vontade” de ir a outros países e “ver coisas que na Espanha já não acontecem há décadas, porque o lixo está privatizado”.

“Viemos para aprender, não dar lições a ninguém, aqui vemos coisas que na Espanha se perderam e que achamos que são positivas”, justificou o arquiteto.

Miguel criticou, além disso, que a reciclagem “faz parte do pacote que nos vendem com o desenvolvimento”, mas que, segundo ele, “está carregada de perversão”.

“Cria-se toda uma indústria baseada na destruição de vasilhas e na nova criação destes quando, na realidade, teríamos que tender à redução e à economia energética”, sentenciou.

Para o futuro, o Basurama continuará com intervenções no Brasil e em outros tantos lugares através de projetos como o já criado RUS (Resíduos Urbanos Sólidos) ou Pan Am de documentação sobre diferentes lugares abandonados.

Além disso, entre os planos para os próximos meses também está a publicação de um guia prático dos processos de intervenção para que “qualquer um possa mudar seu bairro com os resíduos que tem à mão”.

Para o Basurama, “o mais belo de tudo é oferecer possibilidades de fazer algo com coisas que já temos, mudar a percepção que temos de nossas cidades e mostrar que um cidadão que constrói seus espaços públicos, a cidade e o país que quer, está construindo o coração da democracia”.


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Coletivo recupera espaços públicos a partir de materiais descartados como lixo