Muricy Ramalho chegou para a entrevista com um ar tranquilo. Acompanhado somente de sua assessora, cumprimentou os presentes, a equipe do Virgula Esporte, e depois se sentou, como o convidado que era. Nenhum sinal de estresse, agitação. Pelo contrário, semblante tranquilo, vestes casuais e um bronzeado que nem nos dois anos de Santos o técnico ostentava.

O primeiro assunto abordado foi a anunciada aposentadoria do goleiro Rogério Ceni, que iniciou sua carreira no São Paulo no final da Era Telê Santana (idos nos anos 1990), quando Muricy era seu assistente e aprendiz. Ao falar do jogador com mais partidas na história do clube, foi reticente – aparentemente ainda não havia pensado no assunto, como a maioria da torcida são-paulina (propositalmente ou não).

“Acho que todos nós que gostamos do futebol, e principalmente os torcedores do São Paulo, vão achar muito estranho quando o time do São Paulo entrar no estádio, procurar o Rogério e ele não estar mais. É realmente uma coisa que a gente não sabe como é que vai ser”, imagina.

Amigo do camisa 1, Muricy garantiu que também em sua última passagem no Morumbi (de 2006 a 2008) nunca havia tocado no assunto aposentadoria com o goleiro.

“De vez em quando estou com ele, a gente janta em casa de colega, somos amigos fora do futebol, a gente conhece as famílias, a gente conhece as meninas (filhas do Rogério), mas nunca se falou nisso. É até estranho, porque eu acho que com a condição física dele, com o cuidado que ele tem com o corpo, e com o diferencial técnico, acho que mais um aninho dava. Eu, na minha opinião, que conheço bem ele. Mas ele escolheu isso. Todo jogador que é craque tem que saber parar e acho que ele vai parar bem”, disse.

Além do ídolo são-paulino, Muricy ainda falou sobre a eterna polêmica do atleta jogar mal para derrubar um técnico (“isso não existe”), sobre a goleada de 8 a 0 sofrida pelo Santos para o Barcelona (“o time está em formação ainda”) e questões internas que podem vir a atrapalhar o time dentro de campo (“qualquer ambiente ruim influi no futebol”). Além disso, para ele, atualmente os times brasileiros dão mais prioridade à Libertadores, coisa que em sua época de jogador (anos 1970 e 1980) não o faziam.

Leia na íntegra a entrevista do técnico Muricy Ramalho com o Virgula Esporte:

Virgula Esporte: O que você pensa que vai mudar no São Paulo a partir do ano que vem, quando o Rogério se aposentar, isso em relação à postura do time e da torcida, que não vai mais ter aquele ícone lá atrás?

Muricy Ramalho: Acho que todos nós que gostamos do futebol, e principalmente os torcedores do São Paulo, vão achar muito estranho quando o time do São Paulo entrar no estádio, procurar o Rogério e ele não estar mais. É realmente uma coisa que a gente não sabe como é que vai ser, o sentimento, ainda mais eu que participei desde o começo da carreira dele, desde moleque. Mas é isso, tudo na vida de um grande atleta tem um final. A gente só espera que acabe bem, né? É isso que estamos esperando, mas com certeza vai ser uma coisa muito estranha que a gente não sabe como explicar.

Ele já falou de aposentadoria quando vocês trabalharam juntos?

De vez em quando estou com ele, a gente janta em casa de amigo, somos amigos fora do futebol, a gente conhece as famílias, a gente conhece as meninas (filhas do Rogério), mas nunca se falou nisso. É até estranho, porque eu acho que com a condição física dele, com o cuidado que ele tem com o corpo, e com o diferencial técnico, acho que mais um aninho dava. Eu, na minha opinião, que conheço bem ele. Mas ele escolheu isso. Todo jogador que é craque tem que saber parar e acho que ele vai parar bem.

Acha que jogador é capaz de jogar mal para derrubar técnico?

Isso não existe! Isso aí é uma grande mentira no futebol, porque jogador, além de tudo, é um ser humano que joga como todos nós – quem é que gosta de perder uma pelada, de perder. Ninguém gosta de perder nada! O que pode acontecer é um ambiente que não é bom entre um ou dois jogadores, com técnico, por exemplo. Isso é uma coisa natural, porque em plantel de futebol são 30 jogadores e você só pode colocar 11 para jogar. Então imagina os outros como é que eles ficam, né? Com certeza, ninguém gosta. Eu joguei e sei o que estou falando. É difícil.

E aí vira responsabilidade do comandante reverter o quadro, certo?

O técnico tem que passar pra eles. Primeiro, o comando tem que ser muito pesado, para lidar com time grande tem que ser muito forte. E passar para eles que em algum momento do ano, em algum momento do campeonato – porque se joga muito campeonato – eles vão ser chamados para jogar e têm que estar preparados para isso. Às vezes esse é o grande mal de algum jogador que pode não estar jogando e fala: “Ah, não vou me cuidar, esse técnico não olha para mim”, mas daqui a pouco ele é chamado, aí tem que responder, entendeu? Isso aí, pra mim, depende de cada técnico, depende também do ambiente dos clubes… Não é tudo igual, entendeu? Tudo é momento. Então temos que ter essa experiência para saber como é que é isso.

Para você o ambiente externo atrapalha, então.

Qualquer ambiente ruim influi no futebol, porque time de futebol não é só no campo. Tem o dia a dia. A coisa mais difícil num time de futebol não é aos domingos e às quartas-feiras, que ele joga, entendeu? A coisa mais difícil é no dia a dia, porque são pessoas e vários sentimentos – tem sentimentos bons e tem sentimentos ruins. Existe também a pior coisa do ser humano que é a vaidade. Ainda mais no futebol, a vaidade realmente é fortíssima. Isso atrapalha demais, porque ninguém que ceder em benefício do clube. O que a gente tem que olhar é que a coisa mais importante lá não são as pessoas – é o clube, a instituição e a história. Todo mundo passa e o clube continua lá. Então quem está lá naquele momento, tem que dar o máximo para o clube, e não pensando nele, entendeu? É só assim que você é reconhecido. Quando você faz isso, as pessoas que torcem para o clube reconhecem. Em compensação, quando não faz isso, as pessoas percebem também. Esse é o problema.

É como o Cuca, que veio do Cruzeiro, foi vice da Libertadores lá, mas vai ficar mais marcado na história do maior rival, o Atlético, já que ganhou o mesmo campeonato.

Ele é profissional, no Cruzeiro fez o seu melhor, tentou fazer o seu melhor, e fez. Mas existe a rivalidade que as pessoas não admitem. Ele foi pro Atlético e vai ficar marcado lá.

O que você achou da derrota do Santos para o Barcelona (amistoso na Catalunha na última sexta-feira que terminou 8 a 0 para os espanhóis). A diferença tática e técnica dos jogadores que atuam aqui no Brasil é muito grande da dos europeus?

Não, taticamente não. É que a diferença de jogadores é muito grande, muito alta. Na Europa, os times não são times, são seleções. Mesmo porque a organização também facilita, pode jogar quantos estrangeiros quiserem. Então tem clubes lá que têm verdadeiras seleções. A diferença lá é muito grande em tipos de time, porque quem faz a diferença são os jogadores. E o Santos está em formação ainda, está com a molecada, tem que amadurecer. Não é tão fácil assim você enfrentar um grande clube como o Barcelona, ainda mais lá. Não foi assim nada de outro mundo não. Ganhou quem foi muito superior… O poder econômico desses times ainda é muito forte em comparação, não tem como. Os caras contratam muito… O Bayern mesmo, com o Guardiola, está com dificuldades, tem tanta gente boa ficando de fora… A diferença é muito grande em termos de time e em termos de investimentos. A gente não pode ficar reclamando não.

Desde o Boca Juniors no início da década passada não há uma hegemonia de um clube na América do Sul. Os clubes brasileiros estão mais prontos para jogar a Libertadores, estão levando mais a sério?

Os argentinos, no meu tempo – principalmente quando eu jogava – eram melhores porque sabiam jogar a Libertadores e davam prioridade para ela. O Brasil foi dar prioridade muitos anos depois. Não era tão importante para nós antigamente. Era mais importante jogar aqui, internamente, a rivalidade. Hoje, virou um grande negócio ser campeão da Libertadores porque, além do prêmio (em dinheiro), a sua marca fica muito forte e os times investem demais em publicidade, essas coisas, e ganham muito. Também tem o Mundial de Clubes em que o prêmio é muito grande. Então, o Brasil começou a investir na Libertadores, ou seja, dar prioridade mais para a Libertadores do que para os seus campeonatos, os daqui do Brasil mesmo. O Brasil é o mais forte (da América do Sul) mesmo e começa a se dar melhor, né?

Tivemos Abel Braga (Inter/2006), Celso Roth (Inter/2010), você (Santos/2011), Tite (Corinthians/2012) e mais recentemente o Cuca (Atlético-MG/2013) sendo campeões da Libertadores. Na postura dos técnicos em relação ao torneio continental teve alguma mudança?

Acho que a gente começou a aprender a jogar a Libertadores e aí, pra ganhar a Libertadores tem que saber jogar, porque é com lugares diferentes, lugares duros de jogar. A logística tem que ser muito bem feita, e o planejamento também. Além de (pensar na) prioridade, às vezes, jogos que serão paralelos, como no Campeonato Paulista e no Brasileiro, então tem que saber jogar essa competição. Se você pegar mais ou menos o perfil desses técnicos, tem técnico que já tem uma rodagem, já tem mais experiência e isso faz a diferença. Não dá pra você por um jovem numa competição dessa porque o lado emocional não aguenta. O grande problema dos jogadores e dos técnicos é o lado emocional, quando está tudo bem, está tudo uma maravilha. Mas num momento que não estiver bem, esse comandante tem que ser muito experiente, tem que ser forte, porque, se não, ele é engolido pela emoção do futebol. O futebol é só por emoção, a razão fica muito pequenininha, então, a experiência muda muito.


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Muricy revela que nunca falou com Rogério sobre aposentadoria e crava: ‘Qualquer ambiente ruim influi no futebol’