“Niguém mais sobe”, avisou o rapaz mal-encarado de camisa da Ponte Preta no Tobogã, cercado pelo que pareciam ser familiares e amigos, todos também com camisas da Nega Veia, um dos apelidos familiares aos torcedores da Macaca. Ao meu lado, uma garota negra-loira improvisava uma bandeira como saia. 

Com toda nossa falta de intimidade com o clube, o que talvez pudesse nos denunciar, estávamos “infiltrados” no primeiro jogo da final da Copa Sul-Americana contra o Lanús na quarta-feira (04), eu e o Ciro Hamen, que cuida das redes sociais do Portal Virgula. Estávamos meio deslocados, mas logo começamos a cantar e bater palma: “Ponte, Macaca querida, amor da minha vida, sou louco por você!”.

Em certo momento, temi que o cara ao meu lado me mandasse cantar o hino da Ponte. Diante da ignorância, em minha neurose, seria trucidado e colocaria a perder minha intenção de fazer antropologia urbana. Nisso, o futebol, com suas paixões e figuras, é imbatível. Ainda mais no Tobogã, o lugar mais povão do Pacaembu, transfigurado naquela noite em Macacaembu.

A tensão pairava no ar enquanto a guerra ludopédica entre brasileiros e argentinos se deflagrava. O nervosismo não era um desvio de caráter. Apenas denotava ser aquele o jogo mais importante dos 113 anos de história da Nega Veia, sua primeira final internacional. O carisma da Macaca é tão grande que praticamente toda a ala masculina da redação do Virgula decidiu ver o jogo no estádio.

Combinamos de nos encontrar em uma banca da praça Charles Miller. Era evidente, porém, que entre os 28 mil pagantes, haveria desencontos. Um grupo de cinco ficou preso no lado ímpar 26 e entrou por lá mesmo e eu e o Ciro entramos do lado par. 

No intervalo, uma cena humana. A garota ao meu lado passou o celular para o namorado, o mal-encarado, ele ligou para alguém, talvez sua mãe, e recebeu a notícia de que o bebê chorava a cada cinco minutos. “Ele não vai dormir”, preocupa-se. O pequeno ponte-pretano não entenderia o que o asfatava dos seus pais. 

Começa o segundo tempo. Aos 13 minutos, o Lanús saiu na frente com um balaço de falta do zagueiro Goltz. Uma capa de silêncio se estendeu. Até que ao fundo ouvia-se um batuque e os 3 mil hinchas malucos. Respeitem os argentinos, bigode grosso.

Torcedores argentinos são odiados na mesma medida em que são bons em seu ofício. Tão poucos e tão barulhentos. Não param nunca. “Vocês vão deixar?”, se perguntou um cara provocando os ponte-pretanos. “Da-lhe, da-lhe, ô…”, a cantoria recomeçou. Até que aos 33 minutos, o volante Fellipe Bastos, também de falta, provocaram um ajuste nas placas tectônicas do Macacaembu. Uh, uh, uh, os torcedores, e nós, imitamos macacos. Somos macacos! Cada torcida com sua peculiaridade. A sensação de ser um infiltrado se dissolveu, com a culpa de pé-frio que recairia sobre a redação inteira de traidores são-paulinos, palmeirenses, corintianos.

A Macaca quase virou com Fellipe Bastos, de falta. O travessão impediu. No fim do jogo, a pauta que havíamos tramado no ar-condicionado, de que torcedores de outras equipes apoiariam a Ponte Preta se mostra equivocado. O que vimos foi uma invasão campineira.

No caminho de volta para para casa, Ciro e eu, que somos vizinhos na Barra Funda, continuamos observando os torcedores. Ele tentava adivinhar se eles estavam otimistas ou não para o jogo de volta, quando isso, talvez, nem passasse pela cabeça deles. Como diz no hino: “Ponte Preta inflamante / Ponte Preta emoção / Ponte Preta gigante / Raça de campeão”.

Agora, a Ponte Preta de guerra e paz vai a Buenos Aires. E o time de camisa grená, como a do <3 Juventus, talvez descubra em La Fortaleza, no distrito de Lanús, da grande BAs, que os “macaquitos”, como lá chamam pejorativamente os brasileiros, se transformaram em gorilas. Uh, uh, uh…    


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Uh, uh, uh, nos infiltramos no Macacaembu para uma experiência antropológica