Claudia é Wonder


Créditos: divulgacao

Tinha por volta de 15 anos, fui arrastado para o Madame Satã, “o” lugar para se ir em São Paulo nos anos 80. No meio de muitos estranhamentos – punks, góticos, mulher comendo repolho -, nada superou a visão de uma mulher com pênis que de repente entra numa banheira de groselha no meio de um show de rock e começa a jogar o líquido nas pessoas. Todos ficamos maravilhados com o comentário ácido sobre a Aids – em plena época de demonização da doença – vinda de uma transexual que naquele momento se despia de sua sexualidade para entrar nos corações e mentes dos que a assistiam como uma verdadeira artista. Seu nome: Claudia Wonder e, para a tristeza de todos que a conheceram, faleceu na manhã desta sexta-feira (26), de uma estranha Doença do Pombo – que vem do fungo que surge quando as fezes dos pombos secam. Até na morte, Claudia não foi óbvia. Segundo nota divulgada pelo CADS (Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual), o velório acontecerá às 18h na Secretaria da Justiça e da Defesa (Pátio do Colégio, 148 / 184 – Centro, São Paulo).

Nada era óbvio em Claudia,a começar pela escolha do nome. Ela era Marco Antonio Abrão, mas virou Wonder. Se esperavam dela o amor pelos musicais à Judy Garland, ela apresentava Lou Reed com sua banda Jardins das Delícias. Se a queriam fazendo lipsinck na boate, ela preferia integrar a trupe do lendário diretor de teatro Zé Celso na peça O Homem e o Cavalo. Se a queriam alienada e fútil, ela se mostrava politizada, a favor da democracia no fim da ditatura e ativista dos direitos civis para gays, lésbicas e trans. Quando percebeu que os espaços nos anos 80 se fechavam para sua arte, resolveu se mandar pra Suiça. “Eu tinha uma banda de rock na mesma época que estava explodindo o rock nacional. E nada acontecia conosco. Então percebi que o fato de ser travesti era um grande incômodo até para os modernos brasileiros”, explica Claudia sobre seu exílio voluntário em uma de suas inúmeras entrevistas que fiz com ela.

Na sua ausência – 11 anos – surge o mito Claudia Wonder: aquela que levava Cazuza para o verdadeiro underground paulistano, aquela que antes de ser transexual se denominava uma artista, aquela que dizia a palavra travesti com orgulho, não como algo ofensivo.

Na sua volta, no começo dos 2000, Claudia se torna celebridade e figura obrigatória nas manifestações gays. Foi o tema do premiado documentário Meu Amigo Claudia, de Dácio Pinheiro. Lançou livro, Olhares de Claudia Wonder, e quando todos esperavam um álbum de rock, ela surge com algo mais eletrônico, o CD Funkydiscofashion. Como disse, Claudia nunca foi óbvia.

E em mundo cada vez mais redundante e politicamente correto, ela vai fazer muita falta. Claudia, uma verdadeira mulher maravilha.

Leia texto de outra Claudia, a Assef sobre Wonder, clicando aqui.

Tem também texto de Camilo Rocha porque Claudia era Wonder para todos nós, clique aqui para ler.


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