Nas últimas semanas o Brasil e os brasileiros foram pegos de
surpresa com uma onda de protestos que tomou conta do país e atingiu uma proporção
até então inimaginável. A Fifa ameaçou tirar a Copa, o custo do transporte
baixou e um plebiscito é planejado. Na base de tantas reivindicações a
internet se consagrou como meio de informação e de expressão e muitos famosos
assumiram posições políticas na rede.

Tico Santa Cruz foi um dos que usaram as redes sócias para
emitir suas opiniões. Entretanto o ativismo do cantor não é recente. Estudante
de ciências sociais na juventude, o discurso político sempre esteve presente
nas músicas e shows do Detonautas.

Em entrevista exclusiva ao Virgula Famosos, Tico Santa Cruz
fala sobre política, sobre a educação que dá aos seus filhos, o projeto
Voluntários da Pátria (que levava música para escolas e penitenciárias),
censura, e, claro, as recentes manifestações que tomaram as ruas do país.

Leia abaixo a entrevista exclusiva com Tico Santa Cruz.

Virgula Famosos – Você teve uma educação política em casa?
Como seus pais lidavam com esta questão?

Tico Santa Cruz – Não. Passei a me interessar por política e
questões sociais aos 13 anos quando comecei a andar com um grupo de amigos que
fazia Hip Hop, entre estes amigos despontaram Gabriel O Pensador, MV Bill entre
outros artistas de muita representatividade social e Política. Foi quando fugi
da blindagem que meus pais, que eram de classe média, me mantinham e passei e
ver o mundo real. As comunidades, as mazelas, o que não passa na novela.

E com seus filhos?
Você fala sobre política? Como é a educação?

Meu filho mais velho
participou em todo seu processo de desenvolvimento até hoje de tudo que
projetei, mobilizei e articulei na minha vida como ativista. Ele sempre esteve
por perto nos debates promovidos por mim em casa, quando eu preparava material
para as mobilizações que coordenava. Então é um assunto que na minha casa
sempre foi presente. Ele é muito curioso e explico para ele as questões e tento
mostrar o quanto é importante que ele entenda o quanto antes como funciona o
mecanismo. Tudo na vida é política, desde a escola até a convivência com os
vizinhos e principalmente a responsabilidade e conhecimento do que é
público.  Procuro mostrar aos meus filhos
o quanto eles são privilegiados e o quanto isso requer responsabilidade. Nossa
filosofia de vida é: “Nossas responsabilidades são do tamanho de nossos
privilégios”.

Você chegou a cursar Ciências Sociais na UFRJ. Como foi este
período? Você fazia parte de centro acadêmico, essas coisas?

Nunca fiz parte de
centros acadêmicos ou agremiações. Sentia certa dificuldade, e ainda sinto, em
ter de concordar com certas orientações que eram pautadas pelos líderes dessas
gestões. Eu mantinha minha militância e participava do meu jeito. Como faço
ainda hoje. Preciso sempre ter autonomia para tomar minhas decisões. Na época
em que estive no IFCS na UFRJ era o período em que o governo FHC estava
privatizando um monte de estatais. E os embates políticos eram fortes e as
mobilizações organizadas por alguns DCEs também. Eu passava mais tempo fora da
Faculdade do que dentro, nessas missões. Ciências Sociais é um curso que exige
muita leitura e muito conhecimento e mesmo depois que saí da faculdade para
tentar viver de música, me mantive atento, estudando e participando de grupos
de debates.

Como surgiu a ideia do Voluntários da Pátria, que levava
música para escolas e penitenciárias?

O Voluntários da
Pátria nasceu após a morte do Netto (guitarrista do Detonautas que morreu  após tentativa de assalto) em 2006. Até então
meu ativismo era através das músicas e muito dentro dos shows. Tanto que passou
a prejudicar o Detonautas e fazer o Show se tornou uma palestra sobre política.
O que incomodava muito o público que queria se divertir e com razão alguns
outros membros da banda. O Detonautas é uma banda e não um Palanque.  Quando comecei a frequentar um gueto de
poesia que acontecia no Leblon, zona nobre do Rio de janeiro, com vários
artistas, professores, pensadores, pessoas que tinham muito o que ensinar,
percebi que aquilo era muito rico para ficar apenas numa zona nobre do Rio.
Decidi junto a outros artistas a juntar um grupo para que pudéssemos levar a
faculdades e escolas. Deu certo desde a primeira vez. Fizemos numa universidade
em São Gonçalo e apareceram mais de 3 mil pessoas. Depois disso rodamos e
continuamos rodando, centenas de cidades. Lugares onde fazemos nossas
apresentações e abrimos diálogos com os Jovens sobre política e cidadania. Na
penitenciárias fiz com outro grupo.  O
Voluntários da Pátria colaborou, por exemplo, na formação de uma biblioteca na
52 DP de Nova Iguaçu que foi considerada pela ONU como a carceragem mais desumana
do mundo.

Como você era
recebido? Como avalia a atuação do projeto?

Sempre fomos muito
bem recebidos. Em todos os lugares que passamos criamos algum núcleo que depois
continuou de alguma maneira desenvolvendo o projeto e essa é a melhor herança
que o Voluntários poderia deixar para os Jovens. Mostrar como se organizar para
que pudessem dialogar e aprender sobre política. É um grupo do qual sinto muito
orgulho.

Você já sentiu algum
tipo de censura por suas opiniões na mídia?

Para ser bem sincero,
não existe uma censura a como antigamente. A maneira de censurar é afastando o
artista dos veículos de comunicação de massa, criando assim um distanciamento
do seu público. Posso garantir que isso aconteceu. Se não fosse a internet certamente
nós já teríamos desaparecido e eu certamente teria tido um fim como o de
artistas como Raul Seixas que foram isolados da mídia e acabaram sendo relembrados
somente após a morte. O fato é que hoje a mídia precisa se acostumar com a
dinâmica da internet e isso faz com que essa censura seja mais complicada. Muitos
artistas são orientados por seus empresários a não se posicionarem
politicamente para que não percam seus espaços e a grande maioria segue a
cartilha direitinho.

Como você avalia o
atual momento do Brasil?

Importantíssimo para o desenvolvimento da sociedade. O
interesse pela política é fundamental para o Povo. O que antes era visto como
um assunto chato e que incomodava, hoje é o principal tema nas redes sociais e
acredito eu nas rodas de conversa das famílias e dos bares da vida. Temos que
aproveitar esse interesse da população e inserir de uma vez por todas estas
questões para que todos possam desenvolver suas aptidões a respeito e passem a
estar mais atentos sobre.

Ao mesmo tempo em que
o país caminha para avanços políticos, como o a aprovação do casamento civil
igualitário, há um movimento de retrocesso como a aprovação do PDC 234/2011,
que extingue a proibição da ‘cura gay’, tornando-a legal. Estes dois movimentos
contrários têm bastante força. Você acredita que o brasileiro está mais
moralista?

Não acredito nessa proposta. Para mim isso foi um artifício
da situação para tirar os holofotes da CCJ onde estão dois deputados que foram
condenados no mensalão. Uma estratégia perfeita dos interessados em desviar o
foco. Tirar os holofotes de [José] Genuíno e [João Paulo] Cunha para Jogar em
um deputado sem qualquer função como é o caso do [Marco] Feliciano. É uma
jogada muito inteligente para dispersar a opinião pública.

Por que a bancada evangélica tem tanto poder no país? O que
você sente em relação ao seu público?

Tenho um público que
não faço distinção por classe, cor ou credo. O que me importa no meu público é
que eles sejam capazes de pensar com a própria cabeça e consigam questionar os
conceitos apresentados, inclusive por mim. A bancada evangélica é muito forte
de fato e tem um crescimento voltado aos setores mais conservadores da
sociedade que encontram na religião um caminho para suprir suas angústias com o
cotidiano.  Isso lhes dá força. Porém a
força política vinculada a qualquer religião que seja é sempre muito perigosa.
Devemos lembrar que o Brasil tem um Estado Laico e assim deve ser mantido.
Longe dos interesses de Religiões.

Você acha que a
juventude está mais politizada ou o ativismo está sendo visto como algo bacana?

Acho que independente
desse momento estar na moda o ativismo, as pessoas estão sentindo uma sensação
positiva do quanto é digno lutar pelo seu país e por seus direitos. Essa
sensação que nos move a tantos anos pode contagiar essas pessoas e passar a
movê-los. Isso é de grande valia para juventude e para o país.

O status “bacana” do ativismo é algo prejudicial?

Temos de tomar
cuidado apenas para não ficarmos sobre a superfície dos fatos. Como ativistas,
precisamos estar sempre atentos ao que acontece na política e na sociedade e
acima de tudo nos aprofundarmos nas questões, ou então teremos apenas o status
de ativistas e sabemos que status é algo superficial.

O que você achou do
posicionamento da presidenta Dilma?

Não só a Dilma, mas
toda classe política foi pega de surpresa por essas mobilizações. Até o mais
otimista dos ativistas jamais iria imaginar algo dessa magnitude. Naturalmente
que sabendo que ano que vem ela tem o interesse de se reeleger, teve de buscar
uma solução rápida para dar voz aos anseios da população. Dilma não é uma
figura tão carismática quanto o Lula. Então naturalmente ficou claro que o pronunciamento
não foi espontâneo.  Ouvir o povo através
de um plebiscito é algo que pode ser até interessante, mas jamais podemos
colocar em risco a democracia e a soberania da Constituição. De modo que o que
ela fez foi, a meu ver, dar uma pressionada na sua base aliada que é composta
por diversos partidos que mais parecem um balcão de negócios para que eles
começassem a trabalhar para o povo. Ao sugerir retirar a “voz” do
Parlamento através de uma Nova Constituinte, Dilma obrigou o Congresso nacional
a se Posicionar também. Isso fez algum efeito.

O que aconselharia a
um jovem que, no meio de informações tão contraditórias encontradas na
internet, não sabe o que fazer?

Aconselharia a não sair espalhando qualquer informação que
aparece pela frente. De fato existem milhares de questões flutuando pelo universo
das redes sociais e isso causa uma grande confusão inclusive em quem já está
familiarizado com os temas. Temos que tomar muito cuidado com a boataria. O
Ideal é que os Jovens comecem a entender como funciona primeiro o mecanismo da
democracia. Quais as funções de Cada um dos três poderes da República, para que
saibam direcionar suas queixas aos lugares certos e consigam no meio de
tanta  neblina criar um foco relacionando
as prioridades para o País. Em meio a tantas PECs que estão circulando por ai,
temos de estar atento ao que esta sendo votado pela câmara e pelo Senado.
Lembrando que nenhuma solução imediata que venha como salvação poderá de fato
ser boa para um país e um cenário tão complexo.


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Em entrevista exclusiva, Tico Santa Cruz fala sobre a educação que dá aos seus filhos e as recentes manifestações