Marina Ruy Barbosa chora


Créditos: Cleomir Tavares/Divulgação

Se tem algo que está no cerne do ator, do ofício da dramaturgia, é a coragem de encarnar diversos personagens, colocar as máscaras. Um dos caminhos mais óbvios, entre os diversos possíveis para a arte da interpretação e adotado por Hollywood e pela prestigiada Actor’s Studio e seguida à risca pela TV brasileira, é a interpretação pelo viés realista, isto é, mudar a fisionomia, a aparência e até a alma para encarnar determinado papel. Atores ganham Oscar, são comentados como excelentes performers e elogiados em críticas quando engordam, emagrecem, ou cortam o cabelo careca, tudo para dar uma integridade realista ao que irão interpretar. Se este é um percurso reconhecido por todos os atores para o sucesso, por que Marina Ruy Barbosa acabou não cortando suas madeixas na novela Amor à Vida, já que sua personagem teria que fazer quimioterapia?

Carolina Dieckman disse que aconselhou a atriz a raspar careca como ela mesma o fez em Laços de Família, ao interpretar Camilinha: “Nos encontramos num evento, e ela veio falar comigo. Falei para Marina que ela não iria se arrepender de raspar o cabelo, que ia ser excelente para a carreira dela, que ela deveria fazer, sim. E disse ainda que a gente só faz esse tipo de coisa quando mandam porque não rasparíamos o cabelo se não fosse o trabalho, né?”

Ela acabou não raspando o cabelo, criou-se uma polêmica debatida em enquetes e fóruns e muitas dúvidas ficaram no ar. O marketing venceu a dramaturgia. A versão oficial diz que Walcyr Carrasco decidiu por causa de (uma estranha) pressão popular (causada pela publicidade) por não cortar o cabelo de Marina e fazer assim a personagem morrer. Porém, boatos e algumas colunas de jornais afirmaram que a atriz preferiu manter as madeixas pois poderia perder contratos comerciais (um até da indústria de cosméticos e shampoos), caso ficasse careca. A publicidade venceu a atitude de entrega de atores e atrizes.

Marina nega e disse que cortaria o cabelo, mas então por que não lutou para que a trama fosse mantida e, principalmente, pelo fato dela ter que ficar careca. Aliás, esta imagem é sempre um grande apoio psicológico para milhões de pessoas que fazem quimioterapia e passam pelo mesmo problema de Nicole, a personagem de Marina na trama. Muitos atores e celebridades fazem questão de, tanto na vida real como nas novelas e filmes, mostrarem este momento crucial dos pacientes com câncer. É o ator como agente político e social, fazendo seu papel além da entrega para compor um personagem. Mostrar-se careca: O único marketing e publicidade que teria um efeito muito benéfico para muitas pessoas acabou não acontecendo. 

26 cenas tiveram que ser reescritas, um trabalho gigantesco em um processo que precisa ser em série e muito criativo. A equipe técnica teve que trabalhar em dobro. O elenco do núcleo da personagem de Marina Ruy Barbosa perdeu o rumo. Fernanda Machado, que faz a Leila, a vilã que aplica o golpe em Nicole, disse que ela e Ricardo Tozzi (que interpreta o seu comparsa, Thales) ficaram sem prumo. A atriz chegou a procurar Walcyr Carrasco para entender os rumos da nova história. Daniel Rocha, que interpreta o médico que cuidava de Nicole e se apaixona por ela, disse que agora ficou sem seu par romântico.

Enfim, a mudança causou muitos transtornos, principalmente para a organicidade da novela que é extremamente realista e, ao transformar Nicole em fantasma, acabou desafinando em um tom sobrenatural que parece fazer ruído à trama.  As cenas de morte da personagem de Marina foram comentadas pelo colunista do F5 Tony Goes como uma das mais cafonas da TV. Elas mostram e comprovam como Marina não tem nem maturidade dramatúrgica, nem fôlego para o papel que a escalaram. A cena beirou aos dramalhões “over” das divertidas novelas mexicanas difundidas pela concorrente SBT. Cortar o cabelo, assim como um rito, poderia ter dado alguma bagagem para a atriz começar a compreender esta personagem tão delicada e cheia de leves nuances. Marina interpreta um fantasma do que Nicole poderia ter sido.

É muito simbólico Marina virar um fantasma na trama, ela representa a assombração da entrega dos atores a um determinado papel. Ela está em outro mundo, muito diferente das atrizes e atores que se jogam e lutam pelos personagens que encarnam. Ela é uma desencarnada, talvez o fim de uma era ou um outro caminho para a profissão de ator, agora simplesmente como mero produto. Um produto que brilha, é belo, balança como um cabelo, mas totalmente sem vida.

PS: É muito sintomático a atriz visitar uma associação de crianças com câncer no último fim de semana e chorar. Ali, talvez, ela tenha percebido algo impalpável, em um istmo ao ver crianças doentes, ela mesmo tenha percebido para si a atriz que poderia ter sido e que infelizmente dificilmente será. As atrizes como produto já nascem doentes.


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Marina Ruy Barbosa e a era dos atores apenas como produto