Se 1977 foi o ano de consagração do punk, o ano dourado do britpop (pop
rock britânico) foi o de 1994. Se os punks tinham como alvo a
destruição do movimento hippie, as gargantas a serem cortadas pelos
britânicos eram as dos grunges. E se uma geração precisa matar ou negar
a anterior para o bem geral (dos ouvidos), que o seja. E foi isso que
aconteceu há 15 anos.

Forças estranhas começaram a ser notadas na ilha britânica quando esta
ainda estava sob as mãos de ferro da primeira-ministra Margaret
Thatcher, no final dos 1980 e início dos 90. O epicentro era Manchester – daí o apelido de Madchester para o
movimento que tinha como protagonistas Happy Mondays, Inspiral Carpets,
Stone Roses e Charlatans. A mistura era indie rock com acid house. Mas
a equação sexo, drogas e rock’n’roll afundou no segundo elemento da
equação.

Quem melhor captou o sinal do que acontecera e utilizou o final do
tacho para recriar o monstro foi Damon Albarn, vocalista do Blur. No
começo de 1993 ele apontou o dedo para o inimigo e declarou guerra: “Se
o punk estava de saco cheio dos hippies, eu estou do
grunge. Vale o mesmo raciocínio: é preciso mais energia e atitude.
(Grunges) São os novos hippies: cabelos ensebados, estupidificação.
Gostem ou não, estamos ouvindo Black Sabbath de novo”.

Armas ele já tinha. No ano anterior, os meios de comunicação ingleses
anunciaram a compra da briga. A revista NME (New Musical Express)
colocou Brett Anderson, vocalista do Suede, em edição de abril de 92 na
capa sob o titulo “Yanks Go Home”. Sem que a banda tivesse lançado
sequer o primeiro single (Drowners seria lançado no mês seguinte, e o
clássico Metal Mickey, em setembro). E passamos para o ano de explosão.

Em março, o Blur, de Damon Albarn, lança o hit Girls & Boys, e o
Pulp lança igualmente um de seus maiores sucessos, o single Do You
Remember the First Time?
. No mês seguinte sai o primeiro single do Oasis, Supersonic, o álbum
definitivo do Pulp é lançado, His n’ Hers, e o mesmo vale para o Blur,
com Parklife.

Menos de seis meses depois e a conta de pedras fundamentais em formato
de discos é fechada com Definitely Maybe, do Oasis, e Dog Man Star,
do Suede. Calma que o ano ainda tem espaço para o primeiro single do Supergrass, Caught by the Fuzz, e o álbum de retorno do Stone Roses, que hibernava havia cinco anos, Second Coming.

Os 365 dias motivaram que Shaun Ryder, líder dos Happy Mondays,
voltasse no ano seguinte com um novo projeto, Black Grape, e, em um
arroubo de arrogância, incluir na conta de explosão do pop britânico a
volta dos Beatles com duas músicas novas, Free as a Bird e Real
Love
, dentro do projeto Anthology, que resgatou gravações vocais de
John Lennon sobre as quais os três fabulosos ainda vivos colocaram
bases.

História

No começo da década de 90, a Inglaterra vive a ressaca musical do fechamento da Factory Records de Tony Wilson (o filme 24 Hour Party People – em português, A Festa Nunca Termina – conta direitinho essa história, que se passa em boa parte no lendário clube Haçienda com bandas como New Order e Happy Mondays como protagonistas), enquanto é assolada pelos grupos grunge da Costa Oeste dos EUA.

Apesar disso, as novas bandas do Reino Unido se voltam para a história do rock inglês. Na formação do britpop, está a influência decisiva de bandas e músicos como Beatles, David Bowie, The Smiths, Happy Mondays, Primal Scream e My Bloody Valentine.

A primeira imagem do britpop saiu em 1992 na capa do New Musical Express, ou NME, periódico musical inglês: o vocalista Brett Anderson, do Suede, aparece totalmente andrógino, como um misto de Bowie e Morrissey. Ao mesmo tempo, outro importante jornal musical, o Melody Maker, chama a banda de a “mais excitante dos últimos tempos”, mesmo eles não tendo lançado nenhum álbum. Por fim, em 1993, Anderson está na capa da Select em uma pose muito feminina, com a bandeira do Reino Unido. A legenda diz, sem meias palavras: “Yankees, go home!” (“Ianques, vá para casa!“). Esse é o lema da cena.

Se existe um conflito com o rock americano, pelo menos no começo da cena, o clima é de paz e camaradagem entre as bandas do britpop. O grande exemplo é o The Scene that Celebrates Itself, nome criado pelo jornalista da Melody Maker Steve Sutherland para descrever a cena que acontecia em Camden Town e no clube Syndrome, em Oxford Street, no começo do anos 90. O termo foi usado por toda a imprensa inglesa pra descrever o encontro de bandas que se reuniam para tocarem, fazerem pequenas apresentações em outras bandas e beberem juntas.

Nas turnês do The Scene that Celebrates Itself, bandas como Moose, Lush e Blur recuperam e colocam em primeiro plano uma tradição dos anos 80, perpetuada por bandas como My Bloody Valentine e Cocteau Twins: o shoegazer (ou shoegazing). O termo se refere a fazer uma postura tímida no palco – os integrantes ficam quase inertes e, muitas vezes, mal encaram a plateia. Eles mantêm o olhar para baixo, até porque assim podiam ver os pedais de distorção das guitarras, características musical dessas bandas e que influenciaram diversas bandas do britpop.

O clima de amizade entre as bandas não duraria muito, pois o Oasis, em mais um capítulo de seu culto aos Beatles, escolhe o Blur como seus rivais (ou seja, o Rolling Stones). Diante de todo esse contexto, surgiam casos mal resolvidos e conflitos de egos: os irmãos Gallagher começaram a odiar o Blur, depois que a música deles (Roll With It) perdeu na batalha pelo single da semana para Country House, lançado no mesmo dia – eles teriam dito “que eles morram de Aids”; o sumiço de Richey Edwards, o guitarrista suicida do Manic Street Preachers.

Houve ainda o rolo com Brett Anderson, que, com toda a sua (charmosa) afetação, “teve um lance” com Justine Frischmann (quando ela ainda integrava o Suede), que mais tarde engataria um romance com Damon Albarn, que por sua vez teria escrito a ótima Charmless Man dedicada ao “nose-bleeds”. (Ele fala rápido, seu nariz sangra / Ele não vê que seus dias estão passando por ele / E ele tenta tanto agradar / Ele só quer que você o escute / Mas ninguém está escutando / E quando você coloca tudo isso junto / Há o modelo de um homem sem charme). Vale lembrar ainda, que a clássica foto do ator Hugh Grant na delegacia, após ter sido flagrado fazendo sexo com uma prostituta de Los Angeles, foi parar na capa do disco do Supergrass, em 1995, definitivamente o ano dos bafos britânicos. Mas a banda foi impedida judicialmente de usar a imagem e, supostamente, ainda teve que atrasar o lançamento do disco.

Alheios a esses “acontecimentos” do Reino Unido, apareceram outros grupos que
não eram exatamente o melódico britpop, mas se encaixavam no comportamento e
pose diante da cena musical britânica. Tinha o Echobelly e seu “new wave anos
90”; os nomes do pop/rock galês, como Manic Street Preachers, Super Furry Animals, Catatonia
e Stereophonics; o pop fofo do Belle and
Sebastian
, Teenage Fanclub e Delgados; o exotismo indiano do Kula Shaker e
Cornershop; o glam rock do Mansun, Placebo e Gay Dad; o punk do Ash e Idlewild, o
eletrônico do Stereolab e Spiritualized; e muito mais. Outros grupos que faziam
carreira antes do boom do britpop, como Happy Mondays, The Charlatans, James,
Primal Scream e, principalmente, Pulp, além dos shoegazers Catherine Wheel e
Lush
, aderiram ao estilo.

Passados os anos de glória do pop britânico, surgiam os órfãos do gênero para
fazer um resgate do orgulho britânico. Era a virada para os anos 2000, que
trazia Travis, Coldplay, Doves, Badly Drawn Boy, Muse, Kent, Six By Seven,
Feeder
, JJ72, Dark Star, Elbow, Death in Vegas, Gomez, Soulwax, Embrace, The
Cooper Temple Clause
, Starsailor, Keane, Athlete, Ghosts e muitos outros.

Paradoxalmente, o movimento que surgiu como resistência ao rock
americano acabou conhecido como a terceira invasão inglesa – expressão
usada sempre que bandas britânicas fazem estrondoso sucesso nos EUA.
Enfim, odiando o grunge, o britpop conquistou o Tio Sam!

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