Dia 13 de abril, plena segundona braba de trabalho, passo na casa da minha mãe às 14h para seguir, com ela, rumo aos longíquos estúdios do SBT. Pra você entender o quão distante fica, o seu Silvio é obrigado a manter vários ônibus fretados pra levar e trazer seus muitos funcionários diariamente do centro de São Paulo ao Centro de Televisão da Anhangüera, em Osasco, onde ficam os 11 estúdios do canal.

Depois de perder várias vezes a entrada para a via Anhangüera, pela Marginal (por favor, coloquem placas ali), conseguimos encontrar o caminho e chegamos meia hora depois do horário determinado no convite, 16h. O evento que me afastava da redação no dia mais bombado da semana era o aniversário de 18 anos de carreira da dupla Zezé di Camargo & Luciano, comemorado com um especial no programa da Hebe. É, eu amo muito a minha mãe.

Na chegada, tumulto na portaria. Um tal de “eu tô na lista do Zezé”, “sou amigo do Luciano”, um calor, uma gente tão desesperada pra pegar um convite que parecia que ia ter distribuição de dinheiro lá dentro.

A assessora, zonza, atendia vários celulares ao mesmo e quando tentei dizer que havia me credenciado com ela, veio o karatê: “não posso, não vou falar”. Ui.

Tudo bem, entrei na fila com algumas senhorinhas e um grupo de cowboys. Ai, meus Deus, se me filmam aqui. Pedi pra minha mãe esperar num local mais digno: do lado de fora, debaixo de chuva. Foi o começo de uma cascata de decepções pra Cidinha. Coitada. Foi tipo contar pra uma criança nos anos 80 que o Bozo era na verdade um viciado em cocaína.

Sorrisos, chavecos, senhora, tira o guarda-chuva do meu baço, por favor e, ufa, consegui os convites! Agora, pra entrar no estúdio da Hebe, são bem outros quinhentos. Primeiro, pega-se uma van, que te leva até a porta do complexo de estúdios. Daí, na entrada do Estúdio 1, duas moças ultragentis pegam seus ingressos e te oferecem um “lanchinho”: uma sacola plástica contendo um sanduíche de presunto e queijo num pão de dog, um sonho de valsa e um refri. Lanchinho, já vi tudo, vai demorar.

Esperamos numa sala que fica ao lado do estúdio onde Hebe é gravado. Ali, o pé direito alto só ajudava a embolar o zunzum de um grupo de senhoras uniformizadas com a camiseta da uma rádio. Groupies da terceira idade? Por que não…

Depois de quase duas horas de cadeira no SBT, o Estúdio 1 é finalmente aberto. Forma-se uma fila em instantes e sem que eu perceba já estou de braço dado com minha mãe ocupando quase a pole position. Mãe é assim, dá nó em pingo d’água.

Somos orientadas a sentar na fileira do meio, numa das (chuto) cerca de 200 cadeiras de plástico do estúdio. “Gente, como é pequeno isso aqui”, foi o mantra da minha mãe ao longo da gravação. Ela concluiu, ainda pensando alto: “deve ser uma lente muito possante que eles usam pra gravar, porque na TV parece ser imenso”.

Outro mito descontruído diante da descrente Cidinha: “ah, mas a primeira fila não era reservada pras amigas finas da Hebe?”. Talvez justamente naquele dia elas tivessem faltado, mãe. Mas a estrela da festa finalmente entra no palco, surpreendemente jovem e serelepe sobre um salto altíssimo. “Estou muuuuito feliz de comemorar os 18 anos destas gracinhas, Zezé e Luciano”.

A plateia se levanta como numa ola sincronizada quando a dupla entra no palco e só eu permaneço sentada, querendo morrer quando vejo uma lente gigante focando bem na nossa direção. Taco o bloquinho no rosto.

Minha mãe muda de semblante, ela realmente gosta “do Zezé” (é assim que os fãs se referem à dupla), e os dois não medem esforços pra agradar. Já atacam de “É O Amor”, pra não deixar pedra sobre pedra. Hebe, agradecida, lasca muitos, muitos selinhos demorados nos dois. Danada!

E sabe que no meio de tanta gente emocionada, inclusive minha mãe, que é do tipo dura na queda, eu consigo enxergar alguma beleza naquela poesia de pára-choque de caminhão. É, o amor faz sentido, mexeu com a minha cabeça e me fez estar aqui no estúdio da Hebe, enquanto eu devia estar trabalhando.

As quase duas horas de gravação, ouvindo música serteneja, pra mim uma verdadeira tortura chinesa, foram suavizadas por imagens como a da minha mãe num ataque de fã, felizaça por ter conseguido pegar uma rosa das mãos do Zezé.

Ou ainda pelo papo com a minha vizinha de auditório, dona Wanda Konen Primo, 75 anos declarados (uns 20 a mais na aparência), que me contava em “loop” que ela era “a primeira vendedora do Baú”. Dona Wanda já perdeu a conta, mas chuta que participou de mais de cem gravações da Hebe, “desde os tempos em que ela gravava na rua, na Vila Guilherme”.

Nossa conversa começou com a tradicional pergunta “é a sua primeira vez?”, tão comum no universo das macacas de auditório. “É a primeira. E a última”, respondi. Dona Wanda sorriu, certamente sem entender. Minha mãe achou maldosa a resposta, mas no fundo sentindo orgulha da filha que, por amor, rompe qualquer barreira para agradá-la.


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