Haih, primeiro disco de estúdio dos Mutantes, já está em pré-venda na famosa loja online Amazon. Europeus, norte-americanos, japoneses, australianos e canadenses terão a bolacha à disposição nas lojas no dia 8 de setembro, data do lançamento mundial. Mas não os brasileiros.

A Sony/BMG, que lançou o trabalho ao vivo mais recente, de 2006, não deu bola para o trabalho de inéditas. E Sérgio Dias, líder e fundador da banda, há 43 anos, rebate dizendo que não pode dar bola para o País quando seu trabalho repercute tão facilmente no Exterior. Mas ainda há esperança: segundo ele, se nenhum outro selo se interessar, o disco será lançado por aqui de maneira totalmente independente.

Em entrevista ao Virgula, Dias fala sobre lançamento em tempos de internet, o impedimento atual de falar com o irmão Arnaldo e como a ditadura militar ainda afeta o negócio música no Brasil.
 
O disco será lançado 8 de setembro. Ainda não rolou audição, mas a notícia maior para os fãs brasileiros é que não há previsão de lançamento por aqui. Assim, conte por onde caminharam nesse trabalho: tropicalismo, psicodelia, rock, progressivo?
É um disco completamente honesto. Para se fazer um CD depois de uma carreira como a do Mutantes, e num momento importante como esse, quando essa carreira está tão vista internacionalmente, o mínimo de respeito que você deve ter pelas pessoas é ser o mais honesto possível.
Este disco não tem nada a ver com qualquer trabalho anterior da gente nem está focado nisso. É um disco do século 21.
 
Mas e se for obrigado a colocá-lo dentro de uma caixa de gênero?
Aí diria que é mais tropicalista. Mas pra mim tudo é rock’n’roll
 
Dá pra imaginar isso olhando as parcerias: Tom Zé, Jorge Benjor…
O Tom Zé tem parceria comigo em seis músicas. Fizemos muitas músicas juntos, está sendo uma união maravilhosa, é o parceiro que mais me marcou até hoje – não sei mais viver sem o cara. Era muito criança quando o conheci, não sabia nem o que conversar com ele. Quando a gente se encontrou no show da independência (dia 7 de setembro, no Museu do Ipiranga, em São Paulo), em 2006, rolou. É um barato trabalhar com ele. Ele é um gênio. É como goiabada com queijo
 
E com o Jorge Benjor?
Foi maravilhoso. Ele nos deu uma música, uma inédita, o que é genial, pois a gente marcou tão forte Minha Menina dele, que foi no (nosso) primeiro álbum (Os Mutantes, 1968).

Quantas músicas tem o disco?
O disco que será lançado no Brasil vai ser diferente do lá de fora. Nós gravamos umas 18 faixas, e lá fora sairá com 12 mais Rings of the World, que é introdução e fim.
 
Mike Patton (Faith no More) declarou que participaria. Rolou?
Ele gostaria de participar, mas queria muito que lançássemos pela companhia dele, a Ipecac, e deu uma certa briga. Tinha muita gente envolvida nessa história de quem iria lançar, ele, a (gravadora) Chimera, do Sean Lennon. Chegou um ponto em que começou a fugir do meu controle e passamos para o nosso advogado. Então chegamos juntos à decisão de lançar pela Anti/Epitaph Records, o que foi ótimo. Acho que ele ficou meio ofendido com isso e queria que a gente pagasse a participação dele. Aí nem a pau.
 
E o Erasmo Carlos?
O Erasmo cedeu uma música pra gente, mas essa sai no disco quando for lançado no Brasil. Com letra da Bia (Mendes, nova vocalista).
 
Mais convidados? O Devendra Banhart queria participar também.
Efetiva, só o Tom Zé. E músicas do Jorge Benjor e do Erasmo. Uma das coisas que me pautou é que não tivesse muitas participações, pois queria que fosse um disco dos Mutantes.
 
Se não, seria mais um disco-tributo.
E eu não estava a fim disso. O Devendra participou naquele Mutantes Depois (música inédita lançada em 2008). O importante agora é mostrar realmente para quê a gente veio, para apanhar ou ganhar.
 
Nesses 35 anos desde o Tudo foi Feito pelo Sol (último disco de estúdio da banda, de 1975) o mundo da música mudou demais. O conceito de disco praticamente se perdeu. No ano passado, vocês lançaram uma faixa gratuita pela internet (Mutantes Depois), que foi o primeiro passo em um novo terreno. Como você vê isso para esse lançamento?
Um dos lugares onde mais radicalmente mudou o mercado da música foi o Brasil, pelo legado do golpe de Estado de 1964. A coisa que foi mais difundida e instaurada no país foi a corrupção. Hoje em dia, a gente é corrupto sem perceber.
A gente usa Windows pirata, baixa música e nem percebe o que está fazendo. Se for olhar pelo certo e errado, pela lei, quando você está baixando a música de uma pessoa sem pagar por isso, você está enfiando a mão no bolso dessa pessoa, roubando-a.
Mas estamos em um momento de mudança grande. Tem que mudar, não há dúvida – as gravadoras estão em colapso, tudo isso. Mas ao mesmo tempo, o lançamento desse disco mundialmente, da maneira como está sendo feito, é extremamente gratificante para nós. Em plena crise americana, estamos com um contrato fortíssimo, vamos fazer quase 30 shows nos Estados Unidos, depois seguimos para a Europa.
 
E em relação a Bia Mendes, nova cantora? Sempre existirá a sombra da Rita Lee.
Acho que ficou no passado, uma vez que a Zélia (Duncan) fez um ótimo trabalho em 2006. E a Bia é perfeita. Não é tão conhecida mas tem uma assinatura de voz muito forte, personalidade maravilhosa. Eu a conhecia há 20 anos. Quando pintou Mutantes Depois, eu precisava de uma voz feminina, ela estava em casa e perguntei: – “Você não quer cantar?”. Ela cantou e eu pensei: “Que assinatura, que personalidade”. Aí eu a convidei. Foi natural, como com a Zélia. Ela estava no lugar certo na hora certa.
 
Vocês têm um trabalho que alcançou figuras importantíssimas, que nutrem admiração confessa pela banda: Kurt Cobain, Mike Patton, Sean Lennon. E recentemente li uma declaração da (atriz) Natalie Portman dizendo que é a banda que ouve atualmente. Como é isso para você?
Eu li também. Que legal, né? Isso só pode dar uma humildade enorme e uma gratidão imensa com o universo. Você ver sua música sobreviver a você mesmo, tomar o vulto que tomou…
Antes do Barbican (Theatre, em Londres, que recebeu o show da volta da banda, com Arnaldo Baptista incorporado) não existia nada, ninguém tocando a (nossa) música, nem gravadora, nada. Aí a gente disse sim e tivemos três meses de ensaio. Logo depois, sem ter tocado uma nota, estávamos com a turnê americana inteirinha fechada. Eu nunca ouvi falar algo parecido com isso na minha vida.
É mais uma barreira vencida, uma maneira de provar que Mutantes, de novo, quebra a estrutura do sistema. O sistema envolveria todo um mercado, e para a gente mercado é para peixe.
 
E sobre a capa do disco novo?
Essa aí ninguém ainda sabe.

E pode falar?
Ok, vou abrir para você. Sabe o corvo da capa? Haih significa corvo na língua shoshone, dos índios americanos (do Estado) de Nevada. O corvo tem estado presente em nossa vida há um tempo. Sempre quis ter um corvo como animal de estimação – é um bicho muito forte, mágico, está com as bruxas, com Edgard Allan Poe. Não é um mero periquito.
A borboleta, que veio n(a capa d)o outro disco, é uma belo exemplo de mutação. Mas o corvo é muito mais forte. (Para tirar) Essa foto eu fiquei atormentando um desgraçado de um corvo uma hora. Ele olhou para mim e eu consegui tirar. Mas ele me olhou de um jeito: “Ok, você é o próximo”. E eu me senti a carniça. Adoro essa foto.
 
Em relação à sua família, você tem dois irmãos considerados gênios. O Arnaldo, famoso pelos Mutantes, e o Claudio, que é uma espécie de Professor Pardal de equipamentos musicais. Imagino que tenham marcado sua vida e carreira. Mas em que nível?
Eu sou subproduto do Claudio, do Arnaldo, do meu pai, da minha mãe. E isso me é de um valor enorme. Meu pai e minha mãe, que permitiram que tudo isso acontecesse. Quando disse que ia sair da escola aos 13 anos porque estava convencido de que era um profissional da guitarra ela (mãe) não me mandou pro colégio interno. Só falou: “Se você é profissional, pode começar a ganhar seu dinheiro”. Comecei a dar aula e em seis meses estava fazendo isso. E foi ela que comprou minha primeira guitarra elétrica.
 
E sua relação atual com o Arnaldo, depois da turnê?
Não tenho tido contato, infelizmente. A moça que toma conta dele (Lucinha Barbosa, que é casada com Arnaldo e com quem ele vive junto em um sitio em Juiz de Fora) cortou nossa comunicação.
 
Como assim?
Infelizmente ela não permite que eu fale com ele. Como ele está sob tutela e guarda dela, não quero entrar com os dois pés no peito e gerar um transtorno na vida do Arnaldo. Acho que quando ele estiver pronto e quiser se comunicar será um sonho. Eu tive a sorte de tê-lo ao lado no ano da turnê, pudemos tocar juntos e eu vê-lo se desenvolvendo. Mas acho que, quando ela o viu crescendo tanto assim, deve ter se sentido ameaçada…
 
E criou uma “bolha de proteção”?
Com certeza. Tanto que não permitiu que ele tocasse nos quatro últimos shows da turnê inglesa. Tive que ir sozinho para o show, sem o Arnaldo. A gente (banda) é bom o suficiente para passar por cima disso. Mas pessoalmente é muito difícil. Foi muito difícil dizer adeus para meu irmão no (aeroporto) Heathrow (em Londres), chegar aqui, ligar para lá e não poder falar com ele.
 
Você assistiu Loki (documentário sobre Arnaldo)?
Não fui. Eu sabia que ela (Lucinha) e ele estariam lá e eu não queria causar nenhuma situação de incômodo.
 
Mas nem agora que entrou em cartaz?
Não fui porque não estava no Brasil. Estava em Las Vegas e depois me enfiei no estúdio. Estou ensaiando com Mutantes, preparando a turnê e mixando um trabalho que gravei com uns franceses chamados Tahiti Boys (and the Palmtree Family).
 
O disco terá lançamento mundial no dia 8 de setembro. Menos no Brasil. A pergunta de um milhão de dólares: como assim?
Pois é, sai na Europa inteira, Estados Unidos, Japão, Austrália, Canadá…
Mas não tenho a menor ideia da razão (de não sair no Brasil), já que público a gente tem. No (Museu do) Ipiranga tinha 80 mil pessoas.
Brasileiro tem uma coisa de dar tiro no pé. Acho que quando o Arnaldo e a Zélia saíram criou um pretexto para acharem que não ia acontecer…
Nem perdi tempo com o Brasil em relação a gravadora. Deixo acontecer. Para que perder tempo se estava com tanta requisição mundial? 
Fico muito triste como brasileiro de não poder dar esse presente antes pro Brasil. Sou paulistano, sou brasileiro, nosso disco inteiro é cantado em português, mas…

E não é um Technicolor (disco gravado em 1971, na França, e lançado em 1999, com músicas em inglês e francês, adaptado ao mercado internacional)
Nosso disco inteiro é em português e será ouvido no mundo inteiro. Infelizmente. Mas não vou perder tempo na fila de gravadora, esperando dizerem sim ou não. Mutantes hoje é uma banda internacional. Lá fora, nós somos extremamente bem tratados. Aqui também, mas pelo nosso público. Espero que, de algum jeito, ele saia por aqui.


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Mutantes lança 1º CD em 35 anos em todo o mundo, menos no Brasil. Veja entrevista!