A música brasileira nunca mais vai ser a mesma depois desta primeira década dos anos 2000. Como todo mundo está cansado de saber, nesse período a explosão da internet levou ao colapso total os hábitos antigos da indústria fonográfica. Artistas que viviam presos a gravadoras, contratos e direitos autorais se tornaram independentes, e os que não se tornaram encolheram um bocado, em tamanho e importância.

A primeira década deste novo século tem sido um tempo de libertação para a música. Hoje, ela pulula pela grande rede, mais parecida com água saindo da torneira que com algumas canções aprisionadas dentro de um disquinho laser. Isso mudou radicalmente o mundo da música, e o Brasil está surfando muito bem, obrigado, nestes novos tempos.

A grande novidade, nesse cenário mais amplo e arejado, é o desenvolvimento de modos inéditos e altamente criativos de produzir, gravar, distribuir, divulgar e consumir música. É o que vem acontecendo em inúmeras cenas locais (Rio e São Paulo já não são tão importantes como antenas captadoras e difusoras de modas musicais), e a do chamado tecnobrega do Pará é a mais vigorosa.

Gente que até na década de 1990 só conseguia lugar na sociedade como pedreiro, pintor, faxineira etc. hoje é artista e ganha dinheiro nas ruas e nos palcos de Belém do Pará. Lá não existem gravadoras – tudo é feito artesanalmente, e não raro os próprios artistas levam suas músicas recém-gravadas em estúdios caseiros para os camelôs venderem nas ruas. Não é pirataria, porque é consentida por quem produziu, ou no máximo se teria de chamar autopirataria. Foi essa uma das táticas que tornaram a Banda Calypso, originária do Pará, o grupo brasileiro mais bem-sucedido da década de 00.

Não se pode negar que esteja formando uma nova indústria, também problemática, em torno do poder crescente dos donos das chamadas aparelhagens (equipamentos de som que levam festas para multidões nos subúrbios e periferias). Mas, ainda que seja, é o poder nas mãos de quem nunca o teve. E isso não é primazia paraense. 

Movimentações parecidas acontecem em diversos cantos do país, do novo forró que sacode vários núcleos nordestinos ao funk carioca do Rio de Janeiro e o hip hop de São Paulo. Na Bahia, o mais novo fenômeno é a Banda Djavú, que, por sinal, imita as invenções do tecnobrega e regrava músicas nascidas no Pará (ou então convertidas em tecnobrega pelos paraenses, que também são mestres em transformar Madonna, Michael Jackson e Beyoncé em música popular brasileira, com impagáveis letras nada-a-ver com as originais).

A rivalidade Pará-Bahia cresce e anima debates, discussões e brigas, mas também a paixão pela música, que andava em baixa alguns anos atrás. O fato é que todo mundo (até os roqueiros indies paulistas, cariocas, capixabas ou paraenses) está se virando, sem depender como antigamente de publicidade, emissoras de rádio e TV, gravadoras e todo o aparato envolvido.

Esta tem sido a cara do Brasil nos anos 2000, e só tende a aumentar e se aprimorar nos 2010.

Pedro Alexandre Sanches é jornalista e crítico especializado em música brasileira. Blog: pedroalexandresanches.blogspot.com


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Pedro Alexandre Sanches: A música brasileira nunca mais será a mesma