O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar, em 2010, ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) para permitir a interrupção da gravidez em caso de anencefalia fetal, hoje considerada crime. A ação, protocolada em junho de 2004, contrapõe ciência e religião, mas, sobretudo, joga luz na discussão sobre o direito da mulher de interromper a gestação quando o diagnóstico revela anencefalia.


 


O ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação, confirmou que deverá manter sua posição de que, em caso de anencefalia fetal, a interrupção da gravidez não pode ser considerada aborto. “Aborto é quando o feto tem possibilidade de vida. No caso da anencefalia, não há cérebro. E, se não há cérebro, não há vida”, disse o ministro, explicando que a doação de órgãos é autorizada a partir da morte cerebral.


 


A anencefalia é uma malformação fetal congênita e irreversível, conhecida como “ausência de cérebro”, que leva à morte da criança poucas horas depois do parto. Em 65% dos casos, segundo a CNTS, a morte do feto é registrada ainda no útero.


 


O Código Penal só permite o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez for resultado de estupro. No primeiro caso, o médico não precisa de autorização judicial.


 


Quando a gravidez é resultante de estupro, o aborto só pode ser feito com consentimento da mulher e autorização de um juiz. Em outros casos, o aborto pode ser punido com pena de um a três anos de prisão para a gestante e de um a quatro anos para o médico.


 


Com a ação, a CNTS quer que o Supremo declare que a interrupção da gravidez em caso de anencefalia não pode ser punida como se fosse aborto. O argumento é que a permanência do feto anômalo no útero da mãe é “potencialmente perigosa” em função do elevado índice de mortes ainda durante a gestação, o que “empresta à gravidez um caráter de risco”.


 


“Assim, a antecipação do parto nessa hipótese constitui indicação terapêutica médica: a única possível e eficaz para o tratamento da paciente [a gestante], já que, para reverter a inviabilidade do feto, não há solução. A antecipação do parto em caso de gravidez de feto anencéfalo não caracteriza aborto, tal como tipificado no Código Penal”, sustenta a ação.


 


Segundo a ginecologista e obstetra Elizabeth Kipman Cerqueira, a interrupção da gravidez gera mais danos à mulher do que sua continuidade, embora a dor da morte do filho poucas horas depois do parto seja imensurável. Em entrevista, a médica reiterou que, além do risco do câncer que um aborto provocado pode causar, há os problemas psicológicos. Para ela, seguir com a gestação de um feto anencéfalo é mais seguro para a mulher.


 


“Uma coisa é a mãe sofrer a dor inevitável, que é acompanhar a morte natural do filho. Outra é saber que apressou sua morte”, afirmou a médica, que participou de audiência pública no Supremo Tribunal Federal sobre o caso.


 


Já o psiquiatra Talvane de Moraes defende que a gestante tenha o direito de escolha amparado em um diagnóstico 100% preciso. “É possível comprovar a anencefalia. Obrigar a mulher a ter o filho sabendo que o resultado será a morte é um processo psíquico só comparado à tortura”, disse.


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Supremo julgará em 2010 interrupção da gravidez em caso de anencefalia