Ir a um show do Bon Jovi é como rever um amor do passado: você marca com antecedência, se programa e já sabe que a alegria vai durar algumas horas nas quais o mundo vai parecer perfeitinho e feito para o amor mela cueca. Horas nas quais você acredita em romance, em estrelas cadentes e olha para o horizonte imaginando um futuro brilhante, no melhor estilo de filme sessão da tarde.

Mas, como toda escapadinha secreta com a ex, bate aquela vergonha de contar aos amigos. Foi legal, foi divertido, você confessa a si mesmo, mas admitir para os outros que gostou? Aí já é outra história.

E é essa a sensação que o show de três horas do Bon Jovi em São Paulo trouxe para muita gente: a culpa e o prazer simultâneos de assistir a uma apresentação absolutamente brega, cheia de clichês e completamente previsível – mas em um contexto no qual nada disso é ruim.

O grupo, que não tocava na América do Sul há 15 anos, se apresentou nesta quarta-feira no Estádio do Morumbi com uma saraivada de hits – o vocalista Jon Bon Jovi não se fez de rogado e deu ao público exatamente o que ele queria, disparando melodias radiofônicas sem medo de ser feliz. E conseguiu, ao menos pelo sorriso radiante que mostrou aos fãs durante toda a apresentação.

Jon Bon Jovi é a alma dos shows do grupo. Mesmo quem tem seus problemas com o som farofa e manjado da banda precisa dar o braço a torcer na hora de falar do vocalista, que é um verdadeiro showman e consegue comandar plateias gigantescas com a mesma naturalidade com que toma um copo de água.

Não que essa naturalidade signifique que o músico é espontâneo – muito pelo contrário, já que é bem fácil perceber que seus movimentos são calculados para causar determinados efeitos e que toda a sua postura de frontman é baseada em carões, frases de efeito, dancinhas afetadas e poses clichês de rockstars das antigas. Mas é impossível negar que Jon Bon Jovi é o protótipo perfeito do guitar hero, do músico que encarna um personagem tão cativante em cima do palco que, por mais irônico que seja, a música fica em segundo plano.

Jon Bon Jovi é tão bom nesse papel de rockstar que pode fazer coisas que em outros vocalistas seriam consideradas absolutamente ridículas, como balançar as mãos com a plateia, puxar coros de “uuuuuu”, “aaaaahhhh” e “shalalala” e rebolar com a mão na virilha. Não que tudo isso deixe de ser brega e caricato, mas a questão é que ele é Jon Bon Jovi. Ele tem permissão para ser datado.

O carisma de Jon Bon Jovi faz com que você acabe se rendendo à breguice descarada do show e comece a entrar no clima, principalmente com a ajudinha do setlist, que emenda clássicos de toda a carreira da banda, como You Give Love a Bad Name, It’s My Life, Always e I’ll Be there For You, sem muitas pausas para a plateia respirar. E o público cantou todas as músicas com uma força comovente – mesmo do lado de fora do estádio o barulho era ensurdecedor.

Entretanto, mesmo com um setlist composto por uma sequência invejável de hits, um show de mais de três horas de duração é para pouquíssimas bandas, e o Bon Jovi não é uma delas. Na metade a apresentação começa a ficar cansativa e o que antes era divertido se torna maçante. Mesmo Jon Bon Jovi não consegue segurar a pose eternamente, e a plateia começou a se desconcentrar e a perder o clima do início do show.

Os fãs não tiveram muito do que reclamar com um repertório tão democrático e feito para agradar a todos os gostos. Mas a questão que fica é: depois de um passeio desses pelo passado, com tantos hits que você cantava quando adolescente, deu para distinguir alguma qualidade única, um elemento inovador ou um virtuosismo particularmente precioso durante a apresentação?

A sorte da banda é que mesmo com altos e baixos, são tantos hits que não dá para deixar ninguém insatisfeito. Confira abaixo o setlist completo, que contou com You Give Love A Bad Name, Bad Medicine (um dos pontos altos do show), I’ll Be There For You, These Days, Someday I’ll Be Saturday Night e Bed Of Roses, que fez o estádio inteiro cantar junto.

Blood On Blood
We Weren’t Born To Follow
You Give Love a Bad Name
Born To Be My Baby
Lost Highway
Superman Tonight
In These Arms
Captain Crash & The Beauty Queen From Mars
When We Were Beautiful
Runaway
We Got It Going On
It’s My Life
Bad Medicine
Lay Your Hands On Me
Always
Blaze Of Glory
I’ll Be There For You
Raise Your Hands
Have A Nice Day
I’ll Sleep When I’m Dead
Work For The Working Man
Who Says You Can’t Go Home
Keep The Faith

These Days
Wanted Dead Or Alive
Someday I’ll Be Saturday Night
Livin On A Prayer

Bed Of Roses

FRESNO E AS VAIAS

Não deu outra: depois de inúmeros protestos a respeito da escolha do Fresno como banda de abertura (alguns fãs mais exaltados do Bon Jovi chegaram a criar um abaixo-assinado para que a plateia visse o show da banda gaúcha de costas), a banda subiu ao palco do Morumbi sob uma sonora vaia e vários gestos obscenos.

Aos gritos de “seus emos!”, a plateia não deixou barato e resolveu mostrar toda a sua indignação vaiando, mostrando o dedo do meio e xingando. Mas a manifestação acabou não durando tanto assim e o show prosseguiu sem grandes problemas (em tom conciliador, Lucas Silveira chegou até a agradecer a plateia dizendo “obrigado pelo respeito, é maravilhoso abrir o show de uma lenda do rock como o Bon Jovi”).


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Bon Jovi conquista a plateia em SP e convida o público a celebrar a alegria de ser brega