Racionais MC's

Mano Brown e DJ Marky são as atrações da festa beneficente Disco Baby, que acontece neste sábado (8)
Mano Brown e DJ Marky são as atrações da festa beneficente Disco Baby, que acontece neste sábado (8)
Créditos: vgl

Edi Rock é um típico caso de que nem tudo é o que parece. A
voz grave e forte é familiar para quem convive há décadas com as músicas dos
Racionais MC´s, grupo que integra ao lado de Mano Brown, Ice Blue e KL Jay. Mas Edivaldo Pereira Alves, 42 anos, no fundo,
é um cara sensível, que gosta de blues, soul e de músicas melódicas.

“Esse lado mais triste é o que eu curto mais. Mais
sentimental, que vai no coração das pessoas. Foi no meu, então, pô, se foi no
meu, pode ir em vários”, conta em entrevista por telefone ao Virgula Música.

O autor de sons cabulosos como Mágico de Oz, Rapaz Comum, A
Vida é um Desafio
e Negro Drama, que lançou recentemente seu primeiro álbum
solo Contra Nós Ninguém Será (Baguá Records), defende que o gênero passa por
uma evolução. “O rap enxergou que pode falar de qualquer assunto, na batida.
Porque a verdade é a realidade e a realidade não é uma só, são várias”,
filosofou.

Para Edi, em comparação com a época em que começou, nos anos
80, o “rap está com a mente mais aberta e fala de outras coisas, além de
política. É a evolução”. Leia a conversa com o músico que surpreende em seu
disco pela complexidade dos arranjos, que não deixa nada a desejar ao rap
internacional, e pela variação de gêneros musicais, como reggae, música
brasileira, latina, raggamuffin. 

O trabalho teve participação especial de Seu Jorge no hit That’s
My Way
e ainda contou com Falcão (O Rappa), Alexandre Carlo (Natiruts), Helião,
Sandrão, Ndee Naldinho, Flora Matos, Rael, Tulio Dek, DBS, Emicida, Vanessa
Jackson
, Karin Hills, Marina De La Riva, Dexter, Ice Blue, KL Jay e Mano Brown,
entre outros.

Veja Edi Rock em That’s My Way, com participação de Seu Jorge

Quando que você soube que ia ser um rapper?

Nossa senhora (risos). 
Em 87, mais ou menos, quando eu vi o Kool Moe Dee no Palmeiras e quando
eu vi Thaíde & Dj Hum. Eu queria ser igual.

Isso aí mexeu com você?

É, porque eu já frequentava os bailes de música negra.
Palmeiras, que a Chic Show fazia, Kaskatas, Black Mad, Zimbabwe.  Eu já frequentava baile de rap na época.

E isso aí aflorou quando você foi fazer seu trabalho solo,
essa época, esse som?

Esse foi o começo. 
Influência negra total. De música americana. Eu conheci o Thaíde &
Dj Hum e queria ser igual. Eu falei, é possível, vou fazer.

Você tem uma pegada um pouco diferente dentro dos Racionais.
As músicas que você fez Mágico de Oz, Rapaz Comum, A Vida é um Desafio, Negro
Drama
, são mais melódicas. Isso foi algo que você buscou explorar no seu solo?

É que eu gosto mais desse lado. De, como eu posso falar, de
uma música mais sentimental. Eu gosto desse lado do blues da música negra,
desse lado gospel, de igreja, de vocal, de teclados, tudo mais.

Do soul…

Talvez isso tenha influenciado bastante. Eu gosto de soul e
blues. De funk também, mas esse lado mais triste é o que eu curto mais. Mais
sentimental, que vai no coração das pessoas. Foi no meu, então, pô, se foi no
meu, pode ir em vários.

Você tem mais de 40 convidados nesse CD?

Trinta e poucos, entre músicos e produtores, eu não fiz as
contas.

No seu primeiro trabalho solo, em 99, você revelou o SNJ…

Não sei se é uma revelação, eu trouxe os caras comigo.

E nesse disco agora tem alguém que você ache que vai ser
descoberto?

Que eu acho que a rapaziada precisa descobrir? Nesse eu
creio que não. Em um primeiro momento assim, eu não consigo pensar, a maioria
já é conhecida.

Tem uma rapaziada da zona norte, né?

Tem o André Átila e tem o Thig. Mas o Thig já é bem
conhecido pelo Relatos da Invasão e o André Átila é solo. Eu não me recordo
agora não. Mas a maioria é tudo conhecido e são parceiros meus.

Nesse disco eu resumi bem assim, amigos e parceiros meus e
pessoas que eu admito. Pessoas que eu sou fãzão, que eu sou fã. Tipo o Rappa,
tipo Alexandre do Natiruts.

Ouça Abrem-se os Caminhos, de Edi Rock, com Alexandre Carlo e Falcão

Isso é uma coisa que está sendo falada do seu disco, que
você está trazendo novidades para o rap.

É uma mistura de sons. Eu gosto muito de misturar.

Eu vi um vídeo seu em que você dizia que nos Racionais não
tem espaço para isso…

Não tem por conta dos fãs. E os Racionais mesmo. Acho que a
gente individual arrisca mais, eu acho. A gente arrisca e coloca o nosso gosto
pessoal, tá ligado? Tipo, eu gosto de vários estilos musicais e eu queria
juntar essas influências que eu tenho na música no meu trabalho.

Por isso que eu coloquei um reggae, uma música latina, um raggamuffin.
Um dub meio raggamuffin com a Flora (Matos) e o Rael.

Existe diferença entre o público dos Racionais e do Edi Rock?

O meu público é o mesmo do Racionais. É um público que gosta
do Racionais também, mas tem um carinho especial por mim. Sempre tem alguém
assim, que gosta de todos, mas tem um carinho especial pelo (Mano) Brown, por
exemplo. Pelo KL Jay… sempre tem.

Você é do Jaçanã, zona norte de São Paulo. Essa sua origem
influencia a pessoa e o som que você faz?

Sempre. Eu faço som pensando nos meus amigos, nas pessoas.
Não só nos meus amigos, meus manos, meus parceiros, mas nas pessoas. Mas eu me
inspiro nas pessoas mais próximas e as pessoas mais próximas são meus
parceiros. Na vida deles, no cotidiano deles. E misturo com o meu, entendeu?

Com essa seu experiência, desde os anos 80, o que você acha
que mudou no rap em relação a hoje?

Acho que a gente tem a mente mais aberta hoje. O rap está
com a mente mais aberta e fala de outras coisas, além de política. É a
evolução. O rap enxergou que pode falar de qualquer assunto, na batida. Porque
a verdade é a realidade e a realidade não é uma só, são várias.

Não só política. É lógico que a gente faz política, a gente
é político. Que a gente fala de uma realidade de sofrimento. Mas também pode
falar de amor. Você pode falar o que você está pensando na hora que está
pegando o ônibus, o povo que você está vendo quando você está dentro do metrô.

A vida.

A vida. Tudo é rap.

E você acha que o rap também ajudou as pessoas a terem uma
consciência?

Sempre. Meus seguidores no Twitter, no Instagram, falam que
eu sempre influenciei na formação deles. Vários me falam isso. Pô, vocês estão
de parabéns e continuam de parabéns. Vocês influenciaram uma geração e me
influenciaram também.

Coisa boa, para se formar, se profissionalizar, para se
capacitar para vida, para estudar, ser um advogado, etc. e tal.

Negro Drama, Racionais Mc´s

Você acha que estes protestos que estão tendo nas ruas têm
influência do rap também?

Eu não sei, cara, se tem influência do rap, mas é uma
influência natural da vida, as pessoas estão descontentes, as pessoas estão
insatisfeitas com a política brasileira, com a corrupção descarada. Então,
aquilo que eu falei outro dia, um povo calado é um povo morto e o povo não está
morto, deu para se notar.

O rap pode ser uma das influências, não é só o rap não. Acho
que a consciência do sofrimento do povo brasileiro. Com o sofrimento você toda
atitudes, nem que arrisque sua própria vida. Mas você toma atitudes.   

Esse é seu segundo
trabalho?

É meu primeiro álbum, o primeiro era tipo um EP, uma
mixtape.

Você ficou feliz com o resultado e com a repercussão que
este trabalho vem alcançando? 

Mais feliz do que eu esperava. Eu não imaginava. Eu
imaginava que ia ter uma repercussão, mas não a que está tendo. Veio a mais do
que eu esperava. Que bom, estou muito feliz. O rap está vivo. Nunca morreu, mas
isso é prova de que ele continua vivo e forte.

Você pensar em construir uma carreira ou é algo não
planejado?

Eu faço nas brechas do Racionais, porque o meu foco é o
Racionais. Só que aí aparecem umas brechas, aparecem ideias que não são
possíveis ser realizadas dentro do grupo. No grupo são muito mais gostos, são
quatro cabeças, quatro mentes. A gente tem que discutir muita coisa.

Dentro do Racionais a gente joga mais fácil. É um outro
trabalho, um trabalho antigo, a gente já sabe o que fazer no Racionais. E
pessoalmente é aquilo que eu falei para você, você arrisca mais.

Veja teaser de Contra Nós Ninguém Será

O disco foi pensado para contar uma história, passar uma
mensagem?

Não, eu não foquei em uma história, cara, eu foquei em
várias histórias. De várias vidas. Aquilo que eu falei para você, de meus
manos, meus parceiros. Do cotidiano mesmo. Contra nós ninguém será é o rap,
entendeu?

Porque diziam que o rap tinha morrido. Enquanto diziam que o
rap tinha morrido a gente estava trabalhando. A gente estava reformulando,
refazendo os conceitos, vendo o que ia ser feito, que caminho ser tomado, o que
fazer musicalmente.

E você acha que o rap vai continuar crescendo ainda?

Lógico, tem muito a ser feito ainda. É um grão de areia o
que a gente está fazendo. A evolução você ainda pode colocar mais dez anos para
frente de evolução. A gente ainda está muito atrasado.

Em relação aos Estados Unidos você fala?

Estou falando em relação a tudo. Musicalmente, mentalmente.
Trabalho de divulgação, marketing, merchandising. Estamos aprendendo ainda. Mas
já está sendo feito. Por exemplo, pelo Emicida, Pollo, Kamau, Projota, Rashid.
Mas o Emicida dá um bom exemplo de como se trabalha nessa nova fase do rap.

Que dica você daria para um menino da periferia como você
foi e que um dia sonha em ser o Edy Rock e ter um grupo como o Racionais?

O que eu diria? Eu diria para acreditar no sonho. Não se
iludir, mas acreditar no sonho. Que se você quiser ser alguma coisa
profissionalmente falando, é capaz de ser, é capaz de realizar, só depende de
você.

Nada é barreira quando se trata de realizações, nada, nada.

Veja Racionais MCs, Mágico de Oz 


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Em solo, Edi Rock, dos Racionais MC´s, explora lado ‘sentimental’ da música negra