Virgula Música – Em 10 anos de carreira, em que você acredita ter contribuído para a música popular brasileira?

Chico César – Talvez, ao lançar meu primeiro disco (Aos Vivos), tenha contribuído para chamar a atenção para uma geração de compositores e intérpretes como Lenine, Zeca Baleiro, Paulinho Moska. Parecia que a coisa da MPB estava meio emperrada e se mexeu de novo, com a chegada dessa turma em cena. Renovação de repertório e postura. Acho que foi isso.

Virgula Música – Qual a relação dos ‘textos’ no encarte com as músicas e letras?

Chico César – Chamo de hipertextos. Servem para contar uma história paralela a que as músicas contam. Uma história que se cruza com a história que o disco em si pretende contar

Virgula Música – Como foi o processo de composição deste álbum?

Chico César – As canções já estavam compostas. Algumas com mais de vinte anos. Músicas que foram ficando de fora de outros discos e que agora fazia muito sentido juntá-las. Uma espécie de história secreta que estava engavetada e reivindicava luz.

Virgula Música – Como foi feita a escolha dos músicos que te acompanharam e dos instrumentos?

Chico César – O disco tem o timbre do meu encontro com o Quinteto da Paraíba. As canções foram escolhidas para serem tocadas por nós: voz, violão, violinos, viola, violoncelo e baixo acústico. Isso definiu tudo. Aqui e ali entram outros elementos para dar um colorido especial. Queria fazer um disco bem paraibano, que mostrasse a sofisticação do brasileiro simples. Chamei Escurinho, parceiro do meu primeiro grupo, lá de Catolé do Rocha, para tocar percussão em uma música. Chamei Pedro Osmar, de João Pessoa, pra falar um poema dele, e Elba Ramalho para cantar um baião comigo. A exceção fica com a participação da Banda Mantiqueira, na faixa “A Nível De”. A única que tem metais, mas aí também usados de modo bem delicado, harmônico.

Virgula Música – Essa escolha por uma sonoridade diferente no CD, mais densa, foi proposital ou foi coisa de momento?

Chico César – Foi proposital sim. Eu estava cansado dessa coisa de grooves eletrônicos, de toda música parecer a mesma, da sofisticação nova-iorquina jeca, que a gente foi incorporando à música brasileira. Ficou jeca porque foi virando clichê, tomando conta de tudo. Eu queria chamar atenção para a delicadeza tão brasileira que há em toda nossa música, desde Vila Lobos até Elomar.

Virgula Música – Como é a recepção do público estrangeiro, em especial o europeu, em relação ao público brasileiro? É diferente? Há uma valorização maior do artista no exterior?

Chico César – A música brasileira é muito bem recebida em todo o mundo. Aqui também. A diferença é que não há compreensão das letras por causa da língua. Aqui, às vezes, acontece a mesma coisa. Apesar da língua ser a mesma. Penso que fora do Brasil, o artista fica mais livre do ambiente lobista que envolve a infraestrutura (a gravadora) e a superestrutura (a mídia). Cada um vale o que faz.

Virgula Música – No Brasil, há uma dificuldade para os compositores despontarem como intérpretes (das suas próprias canções), por que isso acontece?

Chico César – Não consigo muito ver dessa forma. Nós temos discos até de Vinícius de Moraes, Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc cantando, que são letristas. O Brasil é até bastante aberto para receber os autores como intérpretes. Quase todo autor daqui canta e grava se acompanhando do seu instrumento, seja violão, cavaquinho, piano ou percussão. O fato é que temos muitos e bons intérpretes e é justo que eles ocupem o seu próprio espaço.

Virgula Música – Há uma certa ingratidão com os compositores no Brasil, já que os intérpretes recebem muito mais mérito do que o verdadeiro ‘dono’ da música?

Chico César – Também não vejo assim. Os compositores são tratados de mão beijada pelos intérpretes. Eles sabem que precisam de novas canções e querem ser surpreendidos com coisas novas. Felizmente passou aquele período de tantas regravações no meio da MPB. Os intérpretes arriscam-se sempre ao gravar coisas novas. Onde há conservadorismo é na mídia, no rádio. É normal pensarmos numa determinada canção como sendo da Liza Minelli ou da Edith Piaf, Jackson do Pandeiro ou Luiz Gonzaga. Às vezes eu me pego no show pensando que vou cantar “aquela música da Daniela Mercury”. Uma boa interpretação assina a música para sempre também.

Virgula Música – Como você encara a pirataria digital e o uso da internet no meio musical? Já sofreu com isso?

Chico César – Novos tempos, novos ventos. Vivemos um momento de transformação radical do que conhecemos como indústria fonográfica. Ninguém está imune a isso. Vai mudar tudo, mas ninguém consegue viver sem música. Quem vai fazê-la? Eu vou continuar fazendo e cantando. Encaro numa boa a pirataria, música por internet, telefone, seja lá o que for. Quem sabe isso não vai mexer na correlação de forças e retirar a hegemonia das mãos de grupos que estão no comando há tempo? Gente que tirou tanto da música e deu tão pouco a ela. Mesmo que isso não aconteça, a gente vai seguir cantando, compondo, ouvindo, dançando.


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'Eu estava cansado dessa coisa de toda música parecer a mesma', entrevista com Chico César