Produtores do novo funk

Omulu
Omulu
Créditos: Divulgação/Glaucia Mayer

Uma nova leva de produtores de funk está renovando o gênero da música brasileira (sim), ao apostar em batidas próprias, com mixagens secas e minimalistas. “É uma geração de beatmakers. Eles criam os próprios beats por que querem que o som soe perfeito, ao invés da galera usa sempre o mesmo tamborzão”, afirma Antonio Antmaper, o Omulu, produtor fluminense que vem lançando esses novos nomes pelo seu selo, Arrastão.

No caldeirão, também entram – além das letras que falam de sexo sem meios palavrões -, percussão brasileira, como berimbau, atabaque e outros elementos que podem tanto ser gravados com instrumentos de verdade quanto criados por meio de softwares e máquinas. “Pra mim, é futurismo afrobrasileiro, a gente não percebe mas é. As batidas tem síncope e contratempo das batidas tribais, só que usando timbres de bateria eletrônica e sampling. Acho que só vamos nos dar conta disso daqui um tempo”, defende Omulu. Afrofuturismo é como é chamado o gênero de produtores como Flyng Lotus, ThundercatDaz-I-KueIG Culture e do coletivo Bugz in The Attic, entre outros nomes que dão um choque tecnológico na tradição da música negra. 

Com apenas 14 anos, o DJ Felipe Único, de Linhares, Espírito Santo, começou a produzir após observar o irmão mais velho mexer no programa Battery. Ele conta como que teve a ideia para a faixa Capoeira de Angola: “Estava voltando da escola e tive essa ideia quando vi uma roda de capoeira”. 

Apesar dos novos produtores ouvidos pelo Virgula Música recusarem a ideia de que a chamada “putaria”, como são chamados os funks que falam de sexo e transbordam sacanagem, não serem uma novidade e muito menos ter tomado o lugar da ostentação, algumas declarações mostram que há uma divisão. “A putaria é uma onda que a galera vem curtindo muito. A ostentação é uma onda que a galera curtiu e fala sempre as mesmas coisas na música. Por exemplo: carro, Camaro, Captiva etc, moto: RR, Kawasaki etc; dinheiro”, questiona o DJ Rodriguinho, de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, outro talento teen do novo funk, de 16 anos. 

“Pelos anos de produtor de funk que tenho, as produções de putaria sempre estiveram presentes, nunca foi uma modinha de momento. E já o caso do tal funk ostentação, que particularmente nunca gostei, foi apenas uma onda, onda que vem e se vai. Então o funk ostentação nunca teve lugar pra ser tomado, ele foi apenas uma onda que apareceu”, defende o DJ Sydney, do Rio, o mais “velhinho” da turma, 24 anos.

Omulu relativiza a questão. “A putaria sempre esteve presente no funk. Esses meninos amam o Mr Catra, o chamam de pai”, argumenta o produtor e DJ que aponta a “hipocrisia” de quem se diz chocado com a pornografia na música. “O brasileiro tem esse negocio de moral e bons costumes, o disco novo da Beyonce é putaria do inicio ao fim”, constata.

A “corrente”, no entanto, sofreu uma baixa considerável nos últimos tempos. Um dos produtores mais famosos da nova escola, o DJ RD da NH, de 22 anos, também do Rio, parou de fazer funks da linha mais pesada. “Não tô fazendo só gospel, não. Tô produzindo funks light, sem palavrão e sem pornografia. Foi uma decisão que tomei porque tô vendo o mercado musical se afundando. E o funk desde sua criação, já vinha com essa proposta de música que, particularmente, prefiro nem chamar assim, que está acabando com o cenário musical, com a arte da música propriamente dita”, aponta. 

RD também cobra um exame de consciência dos produtores. “Acho que todos deveriam se policiar e educar seus ouvintes. Acontecem muitos casos de adultério, violência ou coisas do tipo que são influenciados através da musica. Então acho que nós produtores e DJs temos que nos policiar do que passar pros nossos ouvintes. Mas hoje, infelizmente, o dinheiro fala mais alto”, opina.

Omulu discorda: “A gente pensa, são crianças ouvindo putaria. Hipocrisia, a gente ouviu putaria quando pequeno, mas na verdade são crianças ouvindo e música brasileira”, diz o produtor. “Getúlio (Vargas) patrocinou o samba na época para criar uma identidade sonora brasileira, unir o país através do som, o funk sozinho tá fazendo isso via YouTube”, defende.

“É triste falar isso, mas até nos dias de hoje, mesmo com o espaço que o funk conquistou ainda existe preconceito. Não importa que seja um funk putaria ou funk melody, sempre vai ter gente que fala que funk é tudo igual funk não presta. Mas uma coisa eu sei, que até mesmo um padre escutar um tamborzão vai mexer o pezinho”, argumenta Sydney.

Ele repete, talvez sem saber, a velha máxima de Som de Preto, funk clássico de Amilcka e Chocolate: “É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado”. A diferença é que, há muito tempo, o funk deixou de ser exclusividade dos pretos e favelados para se tornar a música eletrônica do Brasil.


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Novos produtores do funk apostam em minimalismo e na sacanagem