Supercolisor por Andreza Silviano
Uma viagem sempre traz a expectativa de chegar ao destino, seja para conhecer um lugar novo, para encontrar alguém especial ou simplesmente chegar ao trabalho. Entre viagens longas, bate e volta, ou viagens cotidianas no transporte público, o caminho sempre é cercado de pensamentos, devaneios e reflexões. Nada como uma playlist para acompanhar esses pensamentos e nos transportar para outros lugares.
“Viagem Ao Fim da Noite”, da banda Supercolisor, tem essa característica de transporte, conceito que pode ser notado desde o trabalho visual do disco, mas também nas faixas. As letras voltam ao passado, em momentos que acabaram repentinamente ou até os que tiveram um fim garantido, mas também miram no desejo pelo futuro. Seja sobre lugares, pessoas, épocas e lembranças especiais da nossa vida, “Viagem Ao Fim da Noite” consegue misturar nostalgia e ânsia pelo novo em um mesmo trabalho.
A banda de rock alternativo é formada por Ian Fonseca (voz e piano), Jérôme Gras (baixo), Henrique Meyer (guitarra) e Natan Fonseca (bateria). O terceiro álbum do grupo, com produção de Ian Fonseca, Jérôme Gras e co-produção de Henrique Meyer, conta com participações da banda Tuyo na faixa “Um e Meio”, Leo Fressato em “Sempre”, Victor Meira na faixa “Incêndios” e Maurício Pereira em “Torto (Reprise)”. O disco ainda conta com um braço visual de 7 clipes.
“Viagem Ao Fim da Noite” canta sobre uma noite escura que passou. Ainda há resquícios, mas o destino é o final deste momento turbulento. Para que essa viagem seja concluída é preciso percorrer questões do passado e presente para mirar no futuro. Através do disco, a Supercolisor chama para refletir sobre conflitos, medos, inseguranças, amores e memórias. A passagem é fone de ouvido e o embarque pode ser feito em algum transporte ou no seu quarto, como preferir.
Em entrevista, Ian Fonseca e Jérôme Gras contaram sobre a produção do álbum, o momento atual do grupo e músicas que não podem faltar em uma playlist de viagem.
Daniela de Jesus: Pessoal, antes da pandemia eu pegava muito transporte para ir para os lugares, durante o caminho sempre estava tocando alguma música. Quando eu escutei o álbum eu me senti naquele lugar de novo, de escutar algo e ser transportada para mil e outros lugares. O “Viagem ao Fim da Noite” tem muito esse conceito, né? Eu queria saber como foi planejar isso e se foi intencional.
Ian Fonseca: tínhamos várias ideias do que poderia ser o fio condutor deste trabalho, uma dessas foi esse título que abriu a nossa mente. A Supercolisor nunca teve um estilo definido, dá para saber que é rock alternativo, mas isso abriga um universo. A banda tem muitos inputs de quem tá trabalhando, a ideia do “Viagem ao Fim da Noite” é justamente não ficar em um lugar o disco inteiro, como se cada faixa fosse uma parada numa viagem. Como se a gente movesse o ouvinte de um local para o outro a cada nova canção, e mesmo, às vezes, dentro de uma mesma canção. As músicas têm estruturas, às vezes, um pouco ilógicas, que levam a lugares inesperados. O que é o ao fim da noite? É ao fim de um momento escuro, sabe? Alguns podem achar que o título tem uma certa melancolia dentro dele, mas eu já enxergo de uma forma um pouco mais positiva. De ‘nós vamos sair dessa noite’. Esse disco, de certa forma, é uma espécie de um mapa para ajudar as pessoas a passarem por isso junto conosco, sabe?
D: Sobre as composições, você falou sobre a função de levar os ouvintes para diferentes lugares e as letras nos aproximam bastante por ter um caráter confessional. Como foi esse processo de composição para vocês?
Jérôme Gras: O processo de composição é bastante variado. O Ian sempre tem algumas ideias para canções, geralmente ele nos mostra e depois, junto com os outros membros da banda, nós desenvolvemos e escolhemos as que mais nos conectamos com a poesia da letra. Por isso fica justamente essa ideia de viagem, porque foram vários pontos de vista, visões musicais e poéticas. Além da variedade dos integrantes, eu, francês, junto com brasileiros, e o rock que se transforma em reggae. E na parte lírica está muito aberto para interpretações dos ouvintes.
I: Justamente essa questão. Eu nunca gostei, depois de muitos anos da canção lançada, de legendar assim. Muito porque as pessoas questionam o significado e eu sempre falo de diversas possibilidades dentro de um único tema. Então assim, eu dizer para você qual é o caminho certo, qual é a solução do problema para entender o mistério por trás de uma letra, de certa forma, é reduzir o pedaço de arte que tá ali disposto fazendo com que você pense em várias coisas. A música não tem um papel exatamente de utilidade, mas de companhia, né? Então, queremos acompanhar o ouvinte para onde ele quiser ir junto com a gente. Então, essa é um pouco a função das letras. Claro que tem várias coisas da minha vida pessoal, da nossa vida pessoal, ali dentro, mas não necessariamente elas são a única leitura possível. Ainda bem que não são.
D: Sim, é bem isso de deixar livre para cada um ir adaptando. Eu queria saber também dessa parte da produção do disco. Porque vocês estão na frente tocando, mas também participaram da produção e essas partes mais técnicas. Como funciona isso pra vocês?
I: Eu sempre tive essa necessidade e curiosidade de não ser só músico, compositor, instrumentista, como também, estar por trás de entender como funciona fazer um disco. O que faz um disco ser bem gravado, como se pode fazer discos. Acabou que, até por uma questão econômica, várias vezes eu fui o responsável por encabeçar a parte de gravação. Aprendi fazendo literalmente, não aprendi estudando exatamente. Eu tenho condição de ter um pequeno estúdio dentro de casa, onde conseguimos avançar com bastante coisas. Por acaso o guitarrista da nossa banda, Henrique Maia, também é um cara muito envolvido com produção e também tem um pequeno home studio em casa. Isso sempre facilitou muito a nossa vida do ponto de vista prático, né? E pra ser sincero, toda vez muda. Esse disco já foi diferente dos anteriores e o próximo será diferente desse. Todos nós temos além de tudo, curiosidades de saber como funciona e tentar coisas novas.
D: Sobre tentar coisas novas, algumas faixas chegaram com clipes que servem como um álbum visual. Como foi fazer os clipes e pensar em cada um?
J: Pensamos em ter um visual pra ajudar a música circular, que é muito importante no mundo de hoje. Começamos com clipes mais tradicionais, como “Incêndios” em que trabalhamos com o Alberto Whyte. É um clipe no teatro em que aparecemos e tocamos, mais como clipe de banda de rock. Na mesma linha fizemos o “De Sempe”, com o Leo Fressato, nosso grande parceiro. E depois de fazer esses,começamos a fazer clipes mais experimentais. Como as participações de artistas sul-americanas, a pintora chilena María Paz Gutiérrez, e, para terminar, com dois grandes dançarinos brasileiros, em que desenvolvemos a ideia de encontros artísticos com outras vertentes, eles ficaram livres para criar e nós adoramos.
D: E sobre as participações? O álbum conta com diversas partições com a banda Tuyo, Leo Fressato e Victor Meira, como foi escolher todos os convidados?
J: O Leo Fressato foi importante no início do nosso encontro. Quando eu cheguei em Curitiba, anos atrás, comecei a trabalhar com ele. Foi nessa que eu conheci o Henrique. Então, com os encontros que ele esteve presente, convidamos ele para o nosso disco. Além de ter uma rede com músicos de Curitiba, conhecemos a Tuyo, que eu já acompanhava o trabalho, nos conectamos e foi fantástico. O Victor Almeida é um grande parceiro de longa data, um dos grandes amigos da banda. Fizemos vários shows em conjunto com a Bratislava e ele foi o responsável pela arte do disco. E o Maurício Pereira é um ídolo de muitos da banda, ele brilhou no disco com a poesia dele. Teve a participação desses artistas convidados, mas tem outras outras músicos, aqui que era na verdade, gravava outros timbres, metais, tchelo, sanfona, o nosso mixador, Bruno Giorge, que fez a mente mágica esses artistas que vieram fazer esses eh esses kits com nós, correndo o Alberto Whyte, então, né? Na verdade é uma consideração que fez esse, de artistas, cada um, muito bom em tudo que faz, eh que permite fazer esse disco. É um disco ao mesmo tempo muito colaborativo, apesar de às vezes a gente acumular algumas funções.
I: Complementando, eu acho que vale a pena citar o baterista Denis Mariano. Ele esteve muito presente sendo um dos responsáveis pelo resultado sólido que a gente ouve no disco.
D: Nós falamos bastante de viagens, então agora eu quero saber qual música, álbum ou artista não pode faltar na playlist de viagem de vocês.
I: Caramba, pergunta difícil! Nesse caso responderia mais alguns discos, como “Muito – Dentro da Estrela Azulada” do Caetano Veloso, que é um álbum que eu sempre coloco quando eu não sei o que colocar. Eu acho que uma das melhores sensações do mundo é quando estamos viajando, dirigindo ou de passageiro e queremos acompanhar uma longa história, sabe? Uma longa coleção de coisas coloridas, sem prestar muita atenção no que está ouvindo e ainda assim se sentir tocado. Recomendo esse disco junto com “Cinema transcendental”, também do Caetano Veloso.
J: Eu pegaria um disco dos The Beach Boys e todo mundo gosta do “Pet Sounds”, que é uma obra prima, mas eu sou advogado “Smile”. Milton Nascimento também com toda discografia. Tom Jobim, o último disco dele que é o meu favorito [Antônio Brasileiro]. Além de um artista francês, Chassol, que viaja pelo mundo filmando artistas e depois sampleando esses registros.
