Tinha a cantora Mallu Magalhães, tinha o músico Pélico, tinha o rapper Emicida. Todos jovens. Mas nenhum deles – ou mesmo nem somando todos eles – dava para chegar perto da jovialidade, da energia e vibração de Tom Zé, com seus 76 anos, no palco de seu show do lançamento paulista de Tropicália Lixo Lógico, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, na noite de sexta-feira (21). Ele pulou muito, gritou, “dirigiu a cena”, anarquizou. Era uma chance e um aval para os músicos convidados fazerem o mesmo, o acompanharem em seu desbunde, mas não aconteceu, infelizmente.

A novidade do mais tropicalista dos tropicalistas já começa com o excelente álbum dedicado ao movimento que participou com Gilberto Gil e Caetano Veloso no final dos anos 1960. A renovação das ideias da tropicália não conseguiu tamanha tradução contemporânea nem no disco Tropicália 2 (1993) – que é mais uma estandardização dos conceitos do tropicalismo – nem naquele que chegou mais próximo do Tropicália Lixo Lógico, o anárquico álbum de Caetano com Jorge Mautner, Eu Não Peço Desculpas (2002).

Mas chega de comparações – seja com os jovens músicos de hoje, seja com os companheiros do baiano de Irará no tropicalismo – que isto é coisa de velho. Tom Zé é único e compará-lo com outros é um exercício crítico de tentar aproximá-lo de algo mais palatável e conhecido. O desconhecido assusta, o ostracismo e a solidão do artista por décadas (depois do tropicalismo, ele só foi redescoberto nos anos 90 pelo músico David Byrne) têm sua razão de ser: é difícil ser autenticamente único dentro da indústria para as massas.

O show

Tom Zé entra despido daquilo que depois ele chamaria de gravidez de Caetano e Gil, um figurino feito de diversos aventais e um cavaquinho para dar o volume de uma pessoa grávida. À capela, ele canta duas música emblemáticas: Ave Maria no Morro, de Herivelto Martins, uma das preferidas de seu mestre João Gilberto. E o samba Taí, que nos versos diz que fez “tudo pra você gostar de mim” – um comentário jocoso sobre ele mesmo e sua relação com a questão de ser popular na música.

Mesmo com os ingressos esgotados há semanas, o show não estava lotado, o que fez ele improvisar uma anedota sobre o fato. “A pessoa tem que comer antes de vir para cá e faltou o gás, ou ele estava dirigindo vindo pro teatro e o guarda lhe para e ele leva uma multa”, cantarolou, fazendo a plateia rir.

Depois da descontração, ele chama a banda que aparece toda com capas de monges (ou de Chapeuzinho?) e começa com a música Tropicália Lixo Lógico. A introdução musical idêntica à de Coração Materno no mítico álbum Tropicália, de 1968, é proposital. Para quem não sabe, a música de Vicente Celestino, muito empostada e considerada de gosto duvidoso pela elite cultural do país, era perfeita para os tropicalistas questionarem a separação entre a alta e a baixa cultura que era muito forte e incentivada até os anos 60.

Aliás, a absorção sem preconceitos da estética da chamada baixa cultura só se deu pelos tropicalistas, segundo Tom Zé (e esta é a tese que permeia seu último álbum), porque os nordestinos foram criados sob a forte influência árabe (eles invadiram Portugal e Espanha durante quase toda a Idade Média), que era totalmente livre da lógica e da racionalidade do filósofo grego Aristóteles, considerado o criador do modo de pensar do Ocidente.

Na sequência, ele chama Emicida, que canta com ele as “difíceis” Apocalipsom A – O Fim no Palco do Começo e Apocalipsom B – O Começo no Palco do Fim. Depois, ele mesmo anuncia que irá tocar agora o que a banda sabe fazer, e canta as populares Capitais e Tais e, com a presença do músico Pélico, De-de-dei Xá-xá-xá.

O tropicalismo abriu as porteiras para a chamada baixa cultura ter um lugar mais nobre no pensamento brasileiro. Mas hoje percebemos que se sedimentou o inverso do que acontecia até os anos 1960: existe um total desprezo por uma cultura mais elaborada (o pejorativo “papo cabeça”) em detrimento de uma total adoração pelo trash. Tom Zé foi o único tropicalista que conseguiu manter na mesma balança, o diálogo e o equilíbrio entre alta e baixa cultura. Um exemplo é dado no show: a todo momento ele para a apresentação ou pra explicar sua tese sobre a influência árabe nos artistas nordestinos da tropicália (os “analfatóteles”) ou para ensinar um refrão, a base da popularidade de uma música.

Um refrão em especial, ele, em partes durante a apresentação, faz questão de sempre parar o show para ensinar: o de Tropicalea Jacta Est. E a cada parada ele explica o que cada palavra significa, dos versos de Ovídeo aos poetas concretos ( “Coloquei [o termo] in porque os irmãos Campos gostam dessa coisa de português com inglês”), passando pelo diretor de teatro Zé Celso Martinez e pelo escritor e cineasta Zé Agripino, personagens importantes para os tropicalistas. Ele se demora porque, diferente dos outros refrões mais populares, ele sabe que aquele é o anti-refrão.  

A música inteira, no final da apresentação, ele cantará com Mallu Magalhães, mas antes ele a chama para O Motobói e Maria Clara. No fim desta canção, a cantora admite que errou no tom, mas Tom, como bom tropicalista, acredita que todo erro é acerto. Talvez esta seja a alquimia que o transforma em algo tão jovial no palco, lugar em que ele desbunda (como disse durante o show). Nada para ele é consolidado e feito, não existe o erro absoluto, existem possiblidades de criar dentro do erro. Por isto a ousadia, a rebeldia, a inovação de seu disco e show. E, aos 76 anos , ele é mais jovem que todos os jovens. E foi muito disso que ele apresentou – e quem estava viu e viveu – através de sua música naquele palco de teatro. Os dados foram lançados de verdade!


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Tom Zé mostra ser mais jovem no palco do que a nova geração de músicos convidados para seu show em São Paulo

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